O “incrível” Huck

Desde sua criação, dada as diversas tecnologias de instalação e transmissão, a TV a cabo, ou TV por assinatura, vem ganhando mercado e aceitação. Seus canais especializados e exclusivos conquistaram espaço obrigatório no velho altar da classe média, o centro da sala, local compartilhado durante os cultos do horário nobre. Com o crescimento econômico, milhares de pessoas ávidas pelos bens de consumo recentemente acessíveis, refestelam-se com a variada oferta de eventos. De esportes a viagens, passando por animais e natureza, vida doméstica de famosos e desfiles de moda, aos canais de notícias em idiomas exóticos, filmes europeus e asiáticos, até canais infantis, de lutas e de perseguições reais – a lista cresce periodicamente. O trabalhador, com poder de compra recém-adquirido, confunde-se com tantas alternativas de diversão e opções disponíveis.

Seria ótimo para todos, não fosse a conseqüência resultante deste estímulo. Uma vez que as grandes redes nacionais e internacionais concentram as produções mais esmeradas em seus canais por assinatura, a migração dos bons programas gera um desequilíbrio com a já escassa programação educativa e/ou “de qualidade”. De um lado, pouquíssimos canais velhos conhecidos e subsidiados por verbas locais ou federais emendam reprises atrás de reprises e batalham com documentários e produções independentes; de outro, nossas antenas recepcionam em alta definição os piores produtos desenvolvidos pelos gênios do entretenimento. Há então um efeito nocivo, contrapeso nesta balança desigual: o nivelamento por baixo, onde, na moenda da busca por audiência, o reino universal de pastores estridentes e a baixaria instituída em programas de auditório, são macerados junto de reality shows estrelados por subcelebridades (atuantes ou futuras), crianças cantoras e famosos dançantes, que, sem muito esforço, soterram a paciência do espectador. O que nos traz ao foco deste texto, o personagem que chamo de “apresentador-onipresente”. Filão aberto pelo folclórico Silvio Santos, o modelo, obviamente, foi copiado de programas estrangeiros. A bem sucedida mistura de exploração da miséria, apresentações musicais, humor pastelão, forte tino comercial, e extenuante duração de presença on air, fez escola. São vários os exemplos: desde seu discípulo melhor sucedido Gugu Liberato, a Fausto Silva e seu tirânico domínio dos domingos, aos menos expressivos como Raul Gil, Ratinho, e o póstumo Bolinha; caberia ainda neste elenco o célebre Abelardo Barbosa, o Chacrinha, mas seu pioneirismo e significante importância  para o audiovisual, o isentam; ademais, seu programa tinha como foco principal os musicais e o concurso de calouros, que junto das chacretes e de sua figura espalhafatosa, compunham  um tipo de cabaré televisionado. Nessa sala de aula mais técnica, o atual melhor aluno é o ambicioso Luciano Huck. Refiro-me a este cidadão com certa dose de respeito, afinal, seu talento é inegável, e é sem dúvida dos mais ardilosos que tenho conhecimento. Seu esquema cuidadoso no cultivo de sua auto-imagem, e o modo voraz como conduz seus projetos, dão fundamento aos meus preconceitos benéficos.

Luciano, que desde o berço voa em grandes altitudes, olha de cima, deseja as grandes glórias, as altas cifras e, vez em quando, publica notas indignado com o roubo de um de seus caros relógios.

Luciano pertence à elite judaico-paulistana, ou como disse meu amigo Pedro Albuquerque, ao “Jet Set nacional”. Filho de importante jurista e de uma conhecida arquiteta, nosso apresentador possui amigos poderosos, muitos deles parceiros e patrocinadores de seu programa. Contrariando os desejos de seu pai, o moço desistiu do curso de direito pelo de comunicação. Graduado, com certos empurrõezinhos da família trabalhou aqui e acolá, em locais como as rádios 89 rádio rock e Jovem Pan, e estagiou com nomes como Nizan Guanaes e Washington Olivetto. Após tanto trabalho duro, bem mais tarde, aos 23 anos, depois de breve passagem pelo jornalismo, conseguiu cavar espaço na televisão no comando de um quadro no programa de Otávio Mesquita. Tudo por seu mérito, claro. De forma impressionante, entre essas ocupações e os empreendimentos em sociedade com seus amigos da pelada no Hebraica, ainda encontrou tempo para iniciar uma relação duradoura com a TV. Na Band, apresentava o Programa H que, entre outros méritos, depilou adolescentes ao vivo e apresentou ao Brasil personalidades do quilate de Tiazinha e Feiticeira. Esperto, já percebia através de seu faro aguçado, que seu real potencial encontrava-se para além dos programas juvenis de cunho sexual-apelativo. Desistiu da cera quente ao vivo e foi aos poucos lapidando seu estilo. Com um círculo de relacionamentos bem amarrado, colocou-se no centro de uma rede maçônica de favorecimentos, e junto de sua família respeitada, formada por angelicais filhotes e esposa, foi construindo sua imagem de bom rapaz. Afinal, seu programa ajuda a muita gente. Ou vive de sustentar esta falácia. Ser bem-sucedido não é motivo de vergonha, a não ser no Brasil, este paisinho de invejosos e ressentidos. Diferentemente de Diogo Mainardi, bad playboy assumido, nosso narigudo das tardes de sábado veste os andrajos da filantropia. Espécie mista de caridade franciscana com oportunismo sionista, tudo o que nosso Midas toca, transforma-se em ouro. Sua ambição parece não ter fim. Na trilha de sua estratégia de marketing, faz negócios milionários e conquista cada vez maior audiência. Um olhar mais atento aos quadros de seu programa revela-nos um ego inflacionado. Procura disfarçar, diligentemente, a satisfação de ver os contemplados com suas premiações derramarem-se em chorosos agradecimentos e bênçãos e beijos. Perversão que leva, por exemplo, uma criança de cinco anos, por jamais ter visto a geladeira de sua – agora nova – casa tão cheia, a chorar copiosamente em rede nacional. Diante da opressora visão da linha completa de congelados Sadia, o menino não resistiu e caiu soluçando agarrado as pernas do responsável por tudo aquilo, o apresentador-messias, estrategicamente posicionado entre seus pais. Que a empresa citada tenha pagado por tudo isso (pela imagem assistencialista, pelo horário de merchandising, pela humilhação desnecessária do menor) não é conveniente se pensar sobre. Não vem ao caso.

Cores berrantes, projetos e paisagismos assinados,  conferem status diferenciado aos felizardos, que recebem um distintivo social

Não houve antes tão premeditada e bem arranjada manipulação em programas similares; programas antes de tudo, descompromissados com a qualidade de conteúdo, historicamente mais ocupados em ser um divertimento alienante, de fácil digestão. Nem mesmo os vexatórios aviõezinhos de Silvio, possuidores de certa honestidade, uma vez que as caravanas de donas-de-casa, alertadas em encontros prévios, estavam preparadas e instruídas sobre o que enfrentariam no auditório. O fator surpresa e a eficiente edição do quadro, no caso do menino, são os fatores que o tornam mais cruel, implacável, sem chance de defesa para seus retratados.  Huck é antes de tudo, mais sofisticado. Nada de panelas, potes de plástico ou perfumes duvidosos; a classe C, deslumbrada, vê estacionar em suas portas caminhões repletos de móveis de design de grandes redes. As casas e os carros reformados são símbolos da generosidade de seus benfeitores, materializados e concentrados na figura do apresentador, que tudo vê, tudo ouve e tudo faz, divindade digna de receber as oferendas e os louros. Cores berrantes, projetos e paisagismos assinados,  conferem status diferenciado aos felizardos, que recebem um distintivo social – seja na forma de placas penduradas em suas varandas, customizações, ou em prestígio e sentimento de exclusividade na vizinhança – a ser ostentado orgulhosamente pelo bairro ou conduzido pelas ruas da cidade, dando continuidade ao contrato com seus financiadores. Nada disso é grátis. Ainda que o custo seja pago pelos anunciantes, a indústria do ridículo, bufante, exige que os sorteados, para realmente serem considerados merecedores de suas recompensas, sejam obrigados a pagar prendas em troca. Em exibição nacional, macaqueiam cantores, exibem suas mazelas e feridas, reafirmam padrões excludentes e desenvolvem habilidades inúteis para vencer provas inúteis, com o objetivo maior de entreter seus pares: nós. Chega a nos fazer sentir saudades do apelo caricato, kitsch, proposital, de séries mexicanas mal dubladas, marca característica de seu predecessor. Sílvio não construiu seu império sendo ingênuo, obviamente, como todos os homens ricos, tomou atitudes que enojariam os estômagos mais sensíveis; seguiu com ganância, mas o fez de forma mais complacente, com certa dose de empatia, em voos rasantes de observação, talvez por ser oriundo de camadas mais próximas das de seu público. Na outra extremidade, Luciano, que desde o berço voa em grandes altitudes, olha de cima, deseja as grandes glórias, as altas cifras e, vez em quando, publica notas indignado com o roubo de um de seus caros relógios. Dado suas relações políticas, não me surpreenderia em nada uma futura candidatura a algum cargo público. Travestido de ação social, segue seu plano, passo a passo, lenta e gradualmente, rumo a sabe-se lá que objetivos. Insatisfeito, deseja sempre mais. Nos corredores das emissoras, os rumores de sua pretensão em adquirir uma rede de televisão ganham força. Segundo o que dizem, Luciano considera a grama do vizinho sempre mais verde. A nós, exilados de melhor programação, flutuando sem a segurança dos cabos, resta-nos aguardar os próximos a serem cozidos nos movimentos do caldeirão.

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Douglas Evangelista
Douglas Evangelista
Ansioso, acredita sinceramente em panaceias que salvem o mundo e aceita de boa a pecha de tio fracassado em festas infantis. Escreveu aqui e ali na web e sonha um dia comprar um dálmata de nome Billy e descobrir o que é certeza.

3 COMENTÁRIOS

  1. É de dar asco mesmo ver esta figura a angariar fãs, como um candidato político em potencial. Obrigada pelo texto – apesar deste cara não merecer mais atenção do que já tem.

    E mais, o Chacrinha merece ser relembrado mesmo! Sabemos muito pouco dele hoje em dia… Com ele o escracho não era o fim, mas um meio de comunicar. Ele sim foi original!
    Quem não se comunica se trumbica!

    Fora H… e sua decadente atuação!

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