O Natal na Holanda

Quase nenhum estrangeiro nas terras baixas consegue acreditar no rito de Natal que se passa por ali. Existe Papai Noel, o Santa Claus, que o mundo inteiro conhece e que os holandeses consideram uma novidade americanizada, sem nenhum significado. Porque existe também outro velhinho, o Sinter Klaas (Sint Nicolaas, ou São Nicolau), cujo nome é quase o mesmo, mas que chega no início do mês, de barco, da Espanha, vestido de bispo e acompanhado de centenas de negrinhos, conhecidos como Zwarte Pieten (ao pé da letra, “Pedros pretos”). E este Sinter Klaas é muito mais festejado e querido pelas crianças holandesas e belgas.

A origem do culto e as bizarrices sem par são um ingrediente a mais à magia deste ritual. Há três anos morando na Holanda, ninguém soube me explicar porque o velhinho vem da Espanha e nem se explica porque os seus auxiliares são maquiados de preto, qual um Al Jolson em The Jazz Singer – um dos maiores estigmas do racismo americano. Debates ferrenhos em torno da figura do Pedro Preto, de baton vermelho e olhos azuis, sugerem um racismo inconsciente perpetrado pelo povo nórdico. Muita gente acha também que discuti-lo é inútill, que ver racismo nesse carnaval é espécie de paranóia, e que os Pedros Pretos são personagens adorados e copiados por todas as crianças e adultos.

É claro que rememorando um pouco a história holandesa e belga, sabendo-se dos anos de dominação espanhola sobre a Holanda (creio que de 1549 a 1581, se verifiquei bem) pode-se imaginar como esta tradição nasceu por aqui. Este pequeno país se tornou a maior potência capitalista no século XVI. Enquanto nobres portugueses e espanhois se fartavam com as riquezas trazidas as Índias e das Américas, os burgueses flamengos estabeleciam uma economia forte e competitiva. Religião nenhuma impediu que judeus, islãos e cristãos fizessem negócio e convivessem pacificamente por aqui. Desta grande salada cultural que a Holanda sempre foi, saiu um bispo católico, num barco a vapor, trazendo presentes e centenas de mouros que por sua vez dominaram a Espanha outrora. Poderíamos ir mais fundo na história, mas o que fica como anedota para nós brasileiros, e leitores de Trevous, é esta fantástica encenação, acompanhada pela televisão holandesa, cheia de suspenses em torno da expedição do velhinho. Sinter Klaas é televisionado, passando terríveis aventuras em alto mar, só para causar mais sensação na criançada que o vai ver desfilar pela cidade, no 5 de dezembro – dia de seu aniversário.

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Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues é carioca, artista plástica, cenógrafa e professora, radicada em Haia, nos Países Baixos. Seu trabalho une a dança à arquitetura, construindo pontes entre os cinco sentidos e a arte, entre a experiência individual e a coletiva. Ludmila também é apaixonada por kung fu e por cinema.

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