O Club Lite e o êxtase da dança

Fui conferir a noite da dança extática no Club Lite em Amsterdam-West. O lance da dança extática (não confundir com ‘estática’, que significaria ficar parado) é liberar o êxtase de dentro de você (também não confundir com ‘ecstasy’ em pílulas). Esse clube é um espaço para malucos e yoga-freaks se reunirem numa variedade de eventos, em um edifício antigo nas franjas de Amsterdam (leia-se, no meio do nada, pois como eu vivo em Haia, não é fácil chegar lá. Se não há uma estação de trem ou de bonde próxima, é quase impossível encontrar. Só cheguei graças a um amigo local que me levou de carro até lá). Morando na Holanda há quase 6 anos, ainda me assombro com a civilidade holandesa, ou o easy-going-ness deste país em que tudo é normal e quase tudo é permitido.

O Club Lite é como declarado em seu próprio site, um oásis da liberdade. Além do foco na dança coletiva, terapêutica e extática, eles organizam uma série de eventos com yoga, meditação, incenso e tudo isso misturado, com entradas até 12 euros e chá incluído. Essa onda transcendental não é minha praia. Já tentei meditação e yoga antes, acho saudável, mas prefiro outras viagens.

Os benefícios da dança são unanimamente conhecidos. Combate à obesidade, à depressão, à chatice e a tantas outras mazelas humanas. Dançar em geral é divertido, criativo e despretencioso – é praticamente “natural” (e eu uso este termo com muita cautela). Por isso eu prefiro dançar a ter que ir malhar para compensar a vida sedentária. Dançar é uma afirmação da vida, como dizia Nietzsche. Ao passo que ficar malhando dentro de um ambiente fechado, seja ouvindo música ou assistindo à tv, é assumir-se o hamster de gaiola na minha opinião. E correr na rua ou no parque, requer também muita força de vontade e ruas mais seguras.

Mas eu ia falando das noites de terça feira no Club Lite. Se o leitor ou a leitora nunca foi lá, imagine uma boate onde as bolsas e os sapatos são deixados no chão perto da entrada. Ao se cruzar a barreira do chulé, a gente sente os perfumes dos incensos que notadamente são usados para balancear a situação dos cheiros ambientes. Ora, cheiro é cultural, um fato. E por exemplo, muitos holandeses não gostam de usar desodorante. Para completar, faz frio na Holanda. Mesmo numa boite, com todo mundo suando, se as janelas fossem abertas, todo mundo teria um choque térmico. Na maior parte do ano, a Holanda é para o bom brasileiro, uma geladeira do tamanho do mundo. Voltando ao Club Lite, a atmosfera dos muitos incensos é equilibrada pela iluminação de discoteca, com o devido pódio para o DJ e alguns sofás pelos cantos.

No bar, duas mulheres freneticamente lavam copos e preparam chá non-stop. Não se serve bebida alcóolica e nem é preciso dizer que não se pode fumar. Mas o melhor mesmo são as regras da casa. Um cartaz na entrada avisa: “Não é permitido falar. Não é permitido tirar fotos e filmar. Dance como quiser. Respeite a si e aos outros”. Em outras palavras, é um espaço em que você pode se soltar, viajar, dançar junto ou separado e queimar muitas calorias. E como as regras são claras, o clima é de harmonia, sem azaração e sem deboche.

A porta abre às 19:30 para o aquecimento. O público vai chegando, se soltando, se jogando, até o êxtase. Por volta das 21:00, a música já evoluiu das frequências mais moderadas para os 130 bpm, ao som do house ou do funk. Às dez da noite, começa o movimento contrário, ao som de um dub o dj prepara a gente para o alongamento final. Uma moça conduz esse momento, focando na respiração e produzindo sons sem sentido. Daqui a pouco todo mundo está respirando em uníssono, liberando as cordas vocais, como os monges tibetanos. Aliás uma experiência por si só fascinante, todo mundo entoando o canto gutural ao seu redor.

Mas o melhor dessa noite é mesmo liberar-se de si. Dançar sem preocupação, sem freios. E de vez em quando, observar o público também é delicioso. Tem gente jovem, gente velha, todo mundo feliz, todo mundo sorrindo. Tem gente que começa devagar, concentrada, de olhos fechados, invocando os espíritos dionisíacos da dança. Tem gente que começa a se espreguiçar pelo chão, junto ou separado, a rolarem ou a se roçarem uns nos outros. Alguns casais brincam de se balançarem, de se levantarem, pernas para o ar e quando se esbarram, tudo bem. Existe uma consciência do movimento que é compartilhada e cuidada, onde ninguém machuca ninguém. Alguns dançam com o pilar, se pendurando e jogando os cabelos pra lá e pra cá. Enfim, o clima amistoso, vence sobre a vergonha ou a sacanagem (aqui fala uma carioca). A tranquilidade das bolsas no chão do hall, do respeito (principalmente dos homens que não bolinam as mulheres desrespeitosamente ou vice versa), e o efeito de eqüidade geral, são maravilhosos de sentir. Duvido se essa experiência poderia ser reproduzida no Rio de Janeiro. Mas quem sabe.

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Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues é carioca, artista plástica, cenógrafa e professora, radicada em Haia, nos Países Baixos. Seu trabalho une a dança à arquitetura, construindo pontes entre os cinco sentidos e a arte, entre a experiência individual e a coletiva. Ludmila também é apaixonada por kung fu e por cinema.

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