CASA DO SADINO
Em meados de abril iniciei um projeto que tenho chamado de “Cinema Artesanal na Quarentena da Casa do Sandino.”
Quando completei um mês de quarentena caiu a ficha: o projeto em que eu estava trabalhando não voltaria tão cedo e os outros que eram possibilidades reais talvez não acontecessem mais em 2020. Isso foi me dando uma angústia danada, eu acordava pela manhã imaginando a pilha de contas crescendo sobre a mesa. Então, uma tarde em abril eu resolvi mergulhar no processo criativo.
Enquanto trabalhava no “ESTRADA” surgiu um edital da SEC do Estado do Rio de Janeiro. Um edital emergencial com a proposta de auxiliar a classe artística — eram R$2.500 reais. Mas quando ganhei com o terceiro filme dessa leva caseira, descobri que teria um desconto na fonte, abaixando o valor para R$2.300. Ser pobre é foda.
Criei. Olhei para os arquivos nos meus HDs e criei histórias, liguei para amigos e disse: “oi, tô fazendo um filme com as imagens que não usamos daquele projeto, tudo bem pra você? Então, vou fazer um filme com o material que sobrou do Tião, manda pra mim um áudio no Whatsapp falando sobre o seu processo criativo no filme…”
Dessa forma, em meados de maio saiu o filme “Memória Tião”: um documentário sobre o processo de construção do curta-metragem Tião — filme do cineasta Clementino Junior em que tive a felicidade de produzir no ano de 2016.
Após finalizar o “Memória Tião” retomei conversas com o amigo, também cineasta, Felipe Cataldo sobre uma série de imagens que havíamos feito em 2019 enquanto viajávamos a trabalho. Na ocasião tínhamos planejado fazer uma paródia do projeto popularmente conhecido como “A Trilogia das Cores”. A ideia nasceu enquanto tomávamos cerveja à noite em um bar na cidade de Dias D’Avila na Bahia, conversávamos sobre a nossa juventude que está nos deixando e sobre os jovens de hoje que desfilam garrafas de Corote na noite da Lapa.
Dizíamos coisas como: nosso organismo não aguenta mais isso cara.
Pra quem não sabe, Corote é uma espécie de cachaça da pior qualidade misturada com corante saborizado, nas mais variadas cores, e custa barato.
Trilogia das Cores é uma trilogia de filmes do cineasta polonês Krzysztof Kieślowski:
– Trois couleurs: Bleu (no Brasil: A liberdade é azul, em Portugal: Três Cores: Azul) de 1993
– Trois couleurs: Blanc (no Brasil: A igualdade é branca, em Portugal: Três Cores: Branco) de 1994
– Trois couleurs: Rouge (no Brasil A fraternidade é vermelha, em Portugal: Três Cores: Vermelho) de 1994
Criamos um nome para o projeto, chamamos de “Korote Filmes”.
No entanto, conforme viajávamos por diferentes cidades do interior fomos ouvindo histórias ruins e um assunto recorrente era o casamento infantil.
Passado esse período de viagens não conseguíamos retomar o projeto, eu não conseguia mais brincar, logo, fazer o primeiro filme da trilogia chamado “A Cirrose é Verde” era impossível.
Então, após concluir o “Memória” voltei a minha atenção para os arquivos da viagem, conversei com Cataldo e deixamos de lado o projeto Korote.
Iniciei o processo de pesquisa on-line sobre casamento infantil, encontrei um documentário, matérias de jornal e algumas reportagens de TV. Após ter mergulhado nesse material, entrei em contato com Veridiana Cardoso, amiga e atriz, expliquei o roteiro do filme e perguntei se ela gostaria de interpretar a personagem Désirre — uma mulher próxima dos 30 anos que estava recomeçando sua vida longe do antigo companheiro, um homem mais velho que ela conheceu aos 15 anos e fora levada a viver com ele.
Veridiana topou, finalizamos juntos através de conversas por Whatsapp o discurso da personagem. Ela interpretou por vídeo e mandou para mim pelo Whatsapp. Eu só usei o áudio pois entendi, logo no começo do processo de elaboração do projeto, que naquele momento não seria possível trazer a interpretação de corpo presente da personagem, pois não havia tempo e logística para fazer como deveria ser feito. A solução viável para mim era usar fotografias da Veridiana ainda adolescente para, assim, logo no início do filme, reforçar a idade da personagem antes do desenvolvimento da trama.
Havia um arquivo rodado no interior de Goiás em que, já atendo aos casos de casamento infantil que ouvíamos pela estrada, havíamos gravado um diálogo do personagem interpretado por Cataldo que abordava da forma que, para nós na ocasião, era possível abordar esse tema. Logo, tudo se encaixava. Então, uma construção livre usando áudios de conversas telefônicas, fotografias, cartelas informativas e uma viagem etnográfica em busca de Raul Seixas faziam total sentido pra mim, resultando no “ESTRADA”, segundo filme finalizado em julho.
Enquanto trabalhava no “ESTRADA” surgiu um edital da SEC do Estado do Rio de Janeiro. Um edital emergencial com a proposta de auxiliar a classe artística — eram R$2.500 reais. Mas quando ganhei com o terceiro filme dessa leva caseira, descobri que teria um desconto na fonte, abaixando o valor para R$2.300. Ser pobre é foda.
O terceiro filme feito para esse edital chama-se “A Reunião”, um documentário que aborda a potência dos saraus e slams no Rio de Janeiro.
Esse filme foi possível porque ainda no início desse ano, antes de sabermos da pandemia, comecei a rodar um documentário chamado “As Canções de Amor de uma Bixa Velha”, um doc construído a partir do espetáculo homônimo do artista e amigo Márcio Januário (filme recentemente premiado como melhor documentário de curta metragem no Cine Tamoio e na Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso).
Encaminhei para cada pessoa algumas perguntas e um tutorial para auxiliar na gravação. Quando recebi o material, decupei e construí um roteiro base para desenvolver a ideia de como seria o ritmo do filme. Entrei em contato com amigos para pegar imagens que eu não possuía das cidades de Caxias e RJ: Heraldo HB de Caxias, Fred Cardoso e Paulo Camacho, que não se importaram em ceder trechos de alguns de seus filmes, para que eu pudesse trazer referências do RJ e do rolê cultural.
Dessa forma, no mês de Setembro disponibilizei no meu canal do YouTube o filme “A Reunião”.
Nesse momento o “Cinema Artesanal da Casa do Sandino” está voltado para os arquivos dos debates do Cineclube Gambiarra, cineclube que realizei com amigos em 2017. Na ocasião, tínhamos o objetivo de disponibilizar os debates filmados nas redes do Cineclube, mas nunca tivemos tempo para fazer isso. No entanto, dia 29 de setembro foi disponibilizado no canal o primeiro episódio do #PapoGambiarra.
Por hora, esse é o meu processo de produção. Uma forma que encontrei para estudar e me sentir produtivo, desenvolver a arte que me ajuda a respirar todos os dias.
Dá uma olhada nos filmes, se inscreve no canal e fique de olho no meu Instagram @andresandinocosta, porque eu vou continuar produzindo conteúdo e postando atualizações sobre eles.