A Transcendência

Acho complicado escrever sobre o Carnaval, uma vez que só consigo categoriza-lo dentro do grupo de experiencias inefáveis, da ordem do sagrado. Poderíamos abordar dele os trabalhadores que estão lá para levantar as vezes a grana de meses, ou tentar traçar o perfil daqueles que o ignoram em estados imanentes de rotina sobre forma de descanso, viagens para sítios de paz onírica ou retiros espirituais. Mas hoje nosso olhar se estenderá sobre os atores do Carnaval de rua e é desse que o não dizível se deve dizer.

Como uma força telúrica que se canaliza sobre pés que beijam o chão, a energia do Carnaval se ergue em mãos que se alçam como quem busca raízes fincadas no vento. Sendo possivelmente o mais emblemático cerimonial da atual civilização brasileira. Um estado de afrouxamento da razão, um estágio de transcendência do ego, que se desloca dos modos propostos pela estrutura apolínea para qualquer outro lugar que só pode ser descrito (ou não) por alguém que já se perdeu sem documento ou celular no meio de um bloco.

Essa epifania selvática será vivenciada tradicionalmente nos grandes polos Carnavalescos do país como Olinda, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Ouro Preto, na crescente cena de Belo Horizonte e São Paulo. E sobreviverão de seu sacrifício seres festejantes que terão muita das vezes efêmeras recordações de sua comunhão com o Reino do amor-em-si. E talvez poderão contar a partir da quarta feira de cinzas seus testemunhos etílicos in loco: de corações desconhecidos se beijando as vezes em conjunções triplas. De estandartes de pequenas folias com nomes repletos de deboche. De pessoas dançando sozinhas em ruas venais, de crianças vendedoras de bala abdicando da tarefa para desfilar com pequenas fanfarras sob o sol escaldante. De caos, chuva, violência, dor e suor. De um musica infinita que atinge diretamente seus inconscientes primitivos e os faz cantar e pular e delirar despidos de senso de vergonha, não havendo policiamento moral sobre a própria felicidade porque os mecanismos de autocontrole estarão redefinidos, para o bem ou para o mal, aquém da transcendência.

Que se faça saber, alguém em algum momento, talvez na terça a noite no Cacique de Ramos no centro do Rio, talvez em Santa Tereza sendo mais um na multidão do Céu na Terra. Ou no Galo da Madrugada, ou no por do sol da Barra. Ou em São Luiz do Paraitinga, ficará intervalado, por um segundo, em captação sensorial e entenderá uma verdade, respondendo com um sorriso, que o Carnaval é para nós, os seres festejantes, o nosso retorno ao útero.

E que esse depoentes terão a certeza que terminado o trabalho no selo dos encerramentos, o ritual do carnaval retornará no próximo ano para todos aqueles que dele nunca se apartam, amalgamado com o verão, resplandecendo insanamente sobre os velhos estandartes.

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Mr. Hyde
Mr. Hyde
Ex crooner de cabaret, ex Administrador do Bingo Solidário da ala três. Ex crítico de cartas de amor coletadas em aterros sanitários. Ex fumante de Derby Vermelho. Ex traficante de xaxim. Iludido em tenra infância por um Papai Noel de galeria, Mr. Hyde ainda acredita em anjos, sejam os caídos ou pendurados.

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