CRÔNICAS DA QUARENTENA

Uma reunião de relatos sobre o isolamento de um processo intrinsecamente coletivo.

JOÃO GUILHERME FERREIRA

Olá leitores ávidos pelo audiovisual brasileiro, João aqui. Gostaria de começar esse texto dizendo que nunca sei onde um projeto que começo irá me levar. Porém a graça nunca recai sobre o final. Da mesma forma é válido salientar que nunca imaginei estar onde estou.

Consequentemente nunca cogitei produzir o que me coloca a oxigenar meu sistema cognitivo. Mas cá estou, na função de ser sua leitura diária. E como constante nessa desventura extremamente gratificante que é produzir audiovisual no Brasil, desde sempre, são as mais intensas e grotescas trocas de olhares, os mais melancólicos e absurdos comentários falaciosos. Não me surpreende o infeliz favoritismo do atual desgoverno.

O audiovisual brasileiro é guerrilheiro, promíscuo, intenso, liberto, por vezes cubista e hora ou outra retrógrado, mas acima de tudo, é nosso oxigênio. Não conseguimos não produzir. Não podemos. E nunca iremos.

A imagem sempre atuou como máxima no meu imaginário, e as perguntas sempre afligiam minha insônia: “Porque não tentar algo mais “seguro”? Hobby é hobby, trabalho é trabalho. Como espera ser alguém na vida assim? Só os melhores conseguem chegar lá. 1 entre 1 milhão. Saiba o seu lugar”.

Fica claro pra todos nós, artistas, a nossa importância, seja para prover escapismos em períodos sombrios e desesperadores, ou mesmo para trazer à luz da discussão nosso real papel, a função social que sempre tivemos. Se alguns só resolveram perceber agora, é outra história.

“Uma memória dispersa, como um sonho distante”

Quando uma pandemia surge e nos obriga ao isolamento social, pairam no ar todas as incertezas e divagações que nossos parentes conservadores sempre tiveram: O que fazer? Já era difícil arrumar trabalho, imagina agora. Como vamos conseguir bancar nossos hobbies egocêntricos agora que não temos mais casamentos e festas infantis a filmar? (Qualquer semelhança com a realidade não passa de um mero sinal dos tempos).

“Tenho tido esses pensamentos estranhos ultimamente”

Estava eu e minha equipe terminando a gravação de um curta-metragem, com somente uma cena faltando para a finalização das diárias. Era uma Segunda. Na Quarta dessa mesma semana nosso governador, atualmente afastado e grande apoiador do desgoverno Bolsonaro no período eleitoral (sempre bom lembrar), decretou obrigatoriedade no isolamento social. Estávamos diante de algo inédito, imprevisível e assustadoramente carente de novas reflexões. A pandemia não criou nenhum problema, e seu choque foi na atenuação de questões, até então, pouco conversadas.

Eu não deixei de produzir, de escrever, de ter inúmeras reuniões semanais que me impedem de ter um sono minimamente saudável. E tenho certeza de que tantos outros colegas artistas continuam persistindo. Infelizmente alguns por hora precisaram se afastar do nosso meio, mas em pouco estarão de volta. Pura questão de tempo.

Fragmento (frame) de EXO Orbital
“Real como a memória que se esvai cada milésimo de milênio que passa”

A questão para nós, é que no fundo, no fundo mesmo, nós somos um bando de viciados. Como alguns políticos que não foram presos, sabe-se lá o porquê e nos restando apenas especulações, nós não conseguimos ficar sem a nossa “droga”. Porém diferente da cocaína achada no avião presidencial ou na fazenda do tio de uns e outros, o nosso vício é de fato promover inclusão, diversificar e apresentar a sociedade em sua pluralidade máxima. Sim, existem maçãs podres na indústria, mas para toda regra sempre haverá exceções.

O audiovisual brasileiro é guerrilheiro, promíscuo, intenso, liberto, por vezes cubista e hora ou outra retrógrado, mas acima de tudo, é nosso oxigênio. Não conseguimos não produzir. Não podemos. E nunca iremos. Muito antes da quarentena já lutávamos pela nossa existência, e muito após dela continuaremos a existir, sempre resistindo.

Terminando com um clichê sempre eficaz: somos afinal, um bando de vaga-lumes loucos. Mesmo na maior das escuridões, sempre permaneceremos a brilhar.

Se você lendo isso está pensando em entrar no audiovisual ou entrou recentemente, primeiramente bem-vindo. E sim, haverão momentos de estresse, desespero e inúmeras vontades de desistir e jogar tudo pela janela. Meu conselho? Falo por experiência própria, mas sempre que uma dessas questões surgir no seu subconsciente dê 10 minutos de repouso e logo em seguida você estará, assim como todos nós, produzindo algo que surgiu dessa reflexão.

YENeqHEQ

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