Quem disse que extrovertido não sofre?

Ilustrador convidado: Letícia Cabral

Quando você muda de cidade, a primeira semana é sempre a mais difícil, principalmente para quem é comunicativo (ou tagarela). Você já está num lugar que não é o seu habitat natural, que não sabe como é a rotina por lá e, ainda por cima, não tem ninguém para escoar a sua extroversão. Então, os desafios não são apenas geográficos do tipo “Quais ruas posso andar sem ser esfaqueado” ou “Como encontrar o supermercado mais barato da região”, mas também sociais, de como fazer amizade num lugar onde você não conhece ninguém.

Minha mudança para o Rio de Janeiro foi exatamente assim. Eu havia faltado a semana de trotes por medo, na época noticiavam bastante a violência envolvida nas recepções dos calouros. E faltar essa “inauguração da vida universitária” foi um grandíssimo erro. Todos da sala ficaram amigos durante o trote e, quando eu cheguei, eles já estavam entrosados e eu não conhecia ninguém.

O primeiro dia foi o pior. Eu achei que a aula começava às treze e trinta, mas na verdade era às treze. Então fui o último a chegar e, quando entrei na sala, só tinha uma carteira vaga. Depois da vergonha de todos me olhando entrar no ambiente tão tardiamente, não consegui falar com ninguém ali. Afinal, a cada intervalo os meus colegas se dirigiam a quem já conheciam da semana dos trotes.

E, para piorar, no fim da aula ainda estava chovendo muito. E eu não sabia onde era o ponto de ônibus para voltar para casa. Liguei para o meu pai perguntando se podia pegar um táxi (na época não existia Uber e o táxi era caro) e ele liberou. Cheguei em casa chorando, havia passado uma tarde inteira sem falar com ninguém. Logo eu, que cursava uma faculdade de Comunicação.

Meu pai até sugeriu que, se eu quisesse desistir da faculdade logo ali, poderia. Só que com as lágrimas já secas, eu concluí: “Amanhã eu faço um amigo, de qualquer jeito”. Acordei no dia seguinte, fui para a faculdade e, já no começo da aula, pedi uma caneta emprestada para a menina que estava sentada à minha frente. Puxei papo sobre materiais necessários para a aula, fiz piada sobre ter chegado atrasado e, no fim, ficamos amigos.

No dia seguinte, fiz mais uma amiga. No outro, mais dois. Na quinta, me voluntariei para participar da gincana entre as turmas e, na sexta, eu já era o próprio Roberto Carlos cantando “Eu quero ter um milhão de amigos”. Meus impulsos de extroversão estavam salvos.

E ainda bem! Porque assim eu consegui me jogar na vida universitária carioca, que foi uma experiência completamente transformadora. Ainda continuo falando pelos cotovelos e conversando com qualquer um que vejo pela frente, mas aprendi tanta coisa que essa crônica precisaria ocupar o jornal inteiro se eu fosse falar sobre o que veio com essa mudança de vida. Mas a maior lição de todas foi de que um dia ruim é só um dia ruim, ele não tem o poder de estragar todos os outros dias. Muito menos quando você sabe fingir que esqueceu a caneta em casa para fazer uma amiga. Um salve para os tagarelas!

* * *

Ilustradora Convidada:

Letícia Cabral

Olá, meu nome é Letícia Cabral, tenho 23 anos e sou formada em Design de Animação. Sempre fui conectada com tudo que envolva a arte. Gosto de contar histórias bem doidas e as vezes, meio sinistras…

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Gustavo Palmeira
Gustavo Palmeira
Estudou em colégio de padres, era 90% sexy no Orkut, mas hoje infelizmente, alem de roteirista, se apega fácil a qualquer um que der moral no Tinder.

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