Mais amor e menos lixo, por favor

É uma vitória contra a produção mundial de lixo, e pra todos nós, que os cidadãos de Hamburgo, na Alemanha, tenham banido o cafézinho feito com cápsulas individuais ­ em outras palavras, o método do Nespresso e afins.Os danos ecológicos que esse modismo criou, não compensam nenhum prazer cafeínico. Existem dezenas de maneiras de se preparar um café e nenhuma delas precisa gerar ainda mais lixo, hoje em dia. Por mais que os fabricantes digam que as cápsulas “sejam recicláveis”, não faz sentido produzir tanto lixo por xícara de café no século XXI. Não se justifica descartar aquele copinho de plástico e sua vedação metálica, enquanto que o bom e velho filtro, seja de pano ou de papel, é muito mais biodegradável.

Segundo o site Science Alert, para cada cápsula, de 6 gramas de café, são utilizados 3 gramas de plástico e alumínio, que dificilmente serão separados no processo de reciclagem, mesmo nas mais avançadas usinas europeias. A matemática é clara. É uma questão de tempo para que a cafeteirinha da Nespressocaia em desuso, quando todo mundo se tocar e quando outras cidades do mundo fizerem boas escolhas quanto ao destino do seu lixo. Falando nisso, dizer “seu” lixo é uma incoerência. Temos que começar a dizer “nosso lixo”, nos tornando autores e atores do processo. E não dá para se enganar com algumas ideias criativas de reutilização das cápsulas descartadas pra fazer bijuteria ou escultura. Não dá pra engolir.

Não me engano com nada que venha da Nestlé. A imagem da empresa já estava moribundando há anos. E desde que seu presidente deu pra falar que o ar não deveria ser gratuito, mas privatizado, a reputação da mesma piorou. Por outro lado serviu pra manter a Nestlé na mídia. Ano passado a empresa tentou o inacreditável acordo de ser a exclusiva operadora de “purificação de ar” em Redding, na Califórnia. Supostamente a partir de março de 2016, seriam acrescidos U$0,53 aos impostos diários ao município. Simplesmente, os cidadãos de Redding teriam que pagar aproximadamente 15 dólares por mês pelo ar que respiram! Parece que o plano não vingou. Mas eu não ia falar da Nestlé, queria falar do lixo.

Aliás, o conceito de lixo, o próprio termo ‘lixo’, tem que ser urgentemente revisto. Para o planeta não existe “jogar fora”, então temos que zerar o lixo. Zerar mesmo, não só comprando menos e descartando menos, mas investir mais em embalagens biodegradáveis, reinventando usos e implementando mais coerência no ciclo dos materiais. Por exemplo novos materiais podem ser criados a partir de elementos descartados na indústria.

“É urgente que a gente aprenda a questionar, antes de comprar ou pagar qualquer novidade. Temos que nos perguntar: de onde veio isso? Quanto lixo vou gerar?”

Minha avó me contou uma vez que, quando pequena, na fazenda dos avós dela, eles costumavam desfazer os sacos de arroz (que vinham em tamanhos muito maiores que hoje em dia), e reutilizar os fios daquela fibra para amarrar e atar mil coisas, da cozinha ao quintal e à oficina. Existia um senso de continuidade, e até de criatividade, que não terminava na lata do lixo. Enfim, era outro tempo, onde se tinha menos pressa, menos stress também. Depois o plástico tomou conta de nossas prateleiras, nossa infância, nossas vidas como um todo. O plástico está intimamente ligado à hegemonia do petróleo também. Um resíduo industrial de fácil manipulação e de óbvio baixo custo, ideal para um mundo em que tudo é medido pelo retorno econômico. Mas hoje o plástico toma também continentes, oceanos, indo parar dentro de nós e nos estômagos de quantos seres vivos?

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Recentemente fui a uma feira de novos materiais e novos métodos de Design na Holanda ­ a Materia Xperience, em Rotterdam ­ que exibe por exemplo várias aplicações novas para borra de café, fibra de coco, caco de vidro, de tijolo etc. Pois todo processo industrial descarta quantidades astronômicas de certos ingrediente, que em geral vão direto para o meio ambiente. Quando um engenheiro esperto ou um designer tem aquele insight de sagacidade, ele vai planejar e integrar um novo destino para aquele material, que invariavelmente terminaria criando um dano monumental ao meio ambiente, graças às quantidades diárias que nossa civilização produz. Vários designers estão atentos para isso hoje, buscando métodos novos, com ingredientes que ainda são considerados ‘lixo’ e portanto são baratos ou até mesmo gratuitos.

Mais uma vez foram os alemães que aqueceram o debate ecológico, iniciado mais ou menos na década de 1970. A Alemanha desde então foi um dos líderes mundiais não só em coleta seletiva, mas em gestão de resíduos, gerando energia a partir da queima de lixo. A geração de energia a partir do lixo é uma em infinitas maneiras de lidar com as nossas montanhas de descarte diárias. O ciclo vicioso é claro, se compramos mais, descartamos mais.

É urgente que a gente aprenda a questionar, antes de comprar ou pagar qualquer novidade. Temos que nos perguntar: de onde veio isso? Quanto lixo vou gerar? Até mesmo ao se comprar uma garrafa d’água, coisa que não faço mais, só em caso de extrema necessidade. Levar consigo uma garrafa consigo é uma questão básica hoje.

É quase impossível comprar algo sem embalagem plástica, de fato. Mas a consciência deve estar alerta sempre. O mesmo vale para os alimentos, orgânicos e orgânicos. Por mais que seja tentador pagar mais barato, podemos nos perguntar se aquilo é realmente honesto e saudável. O gesto de responsabilidade, por pequeno que seja numa escala global, vale como uma mudança de paradigma, que começa dentro da gente.

É difícil também evitar o bombardeio de anúncios, provocando a nossa id consumista. É preciso um grande esforço aliás, para se livrar de propaganda em geral. Mas é possível reduzi-­lo. Eu não vejo televisão, por exemplo, porque prefiro escolher a minha programação eu mesma. Com meu computador, assisto, leio e encontro tudo que busco online. E desde que instalei o Adblock não sou mais assediada por pop­ups ou aquelas propagandas irritantes antes dos vídeos do Youtube. Não abro revistas em salas de espera, de lugar nenhum, pois a maioria delas vai me inundar de informações que não servem para mim. Quero filtrar ao máximo a avalanche de imagens em movimento, de imagens de “felicidade”, de “beleza” ou de “prazer”. Elas matam nossa imaginação.

Para mais inspiração e menos descarte, recomendo com a maior alegria a página ‘Um Ano Sem Lixo’ para todos os Facebookers de plantão. Pois também não sou de ferro, acabo entrando no Facebook várias vezes ao dia! Curta também: https://www.facebook.com/umanosemlixo. E viva o cafézinho filtrado!

Mais sobre gestão de lixo AQUI.
Não deixe de visitar: Um Ano Sem Lixo (que devia se chamar ‘Uma Vida Sem Lixo).
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Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues é carioca, artista plástica, cenógrafa e professora, radicada em Haia, nos Países Baixos. Seu trabalho une a dança à arquitetura, construindo pontes entre os cinco sentidos e a arte, entre a experiência individual e a coletiva. Ludmila também é apaixonada por kung fu e por cinema.

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