Beatriz, outras músicas e o tapete vermelho

Sempre que Ana ligava o som, Beatriz pisava apressadamente para chegar e ouvir de pertinho. Viciada em música, ela era puro charme ouvindo de Janis Joplin aos Novos Baianos. Esfregava suas unhas afiadas na tela da caixa de som, como se tocasse uma guitarra e lambia os botões como se tirasse as notas de uma gaita. Quando no som o “papo” era salsa, Bibica Bicuda embolava de um lado para o outro no tapete vermelho e miava muito alto quando o tema era Bob Marley.

Entre um baseado e outro, Ana mudava o estilo musical e a cada trago dado por tabela, Beatriz se conhecia mais. A relação das duas era de parceria. Ana tinha sua gata como melhor amiga. Amiga para todas as horas sabe? Aquelas que dividem o lanche (Ana só não comia ração e Bibica não gostava de bacon), o papo, a música e até mesmo a dança.

Ana começou a namorar e Beatriz foi a primeira, a saber. Cá entre nós, a que ficou mais triste também, pois “o cara” era pagodeiro e Beatriz tinha pavor a pagode. Então quando Bibica tentava roçar a sua língua na tela do som, sua língua rejeitava e ela odiava.

Certa noite Ana entrou correndo em casa e encostou suas costas na porta descendo lentamente até bater a bunda no chão e deu um grito muito alto: Cachorro!!! Bibica olhou atentamente e ouviu um desabafo que se tornou música para os seus ouvidos.

– Ele deixou uma carta e nem assinou, disse que tinha pressa para ser feliz e precisava se livrar de mim. Foi morar na Irlanda e estudar inglês.
– Bibica miava melancolicamente tentando confortar a sua dona.
– Se ele pensa que vai ficar assim está muito engano. E pegou todos os discos do Molejo, Patrulha do Samba e Katinguelê de Robson e jogou pela janela.

Bibica Bicuda ria feliz e correu para o som como se pedisse algo. Ana colou para tocar de Jorge Ben a Led Zeppelin e dormiram por ali mesmo, pelo tapete vermelho, com fumo caído pelo chão e lágrimas que rolaram a noite toda.

Ana era assim, fraca. Quando arrumava um namorado mudava o seu estilo. Quando fumava um baseado mudava a música. Só não mudava de gata.

E assim elas iam vivendo, ouvindo, fumando, trocando sentimentos, soluções e segredos. No fundo, no fundo, Ana queria miar igual a Beatriz e Beatriz era louca pela voz de Ana e sabiam que juntas eram uma orquestra de felicidade, no tapete vermelho.

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Leila Perci
Leila Perci
Pernambucana, publicitária, curiosa, ansiosa e ainda mãe. Descobriu nesse último papel o prazer de realizar todos os outros. Viciada em cordel, crônica e poesia. Amante das palavras dá um boi pra entrar em uma conversa, e uma boiada pra não sair.

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