Não tenho o hábito de assistir televisão diariamente, embora muitas vezes tenha que ceder para não me sentir um alienado. Ela serve pra mim, quem mora sozinho vai entender, basicamente como uma companhia. Num domingo desses, cansado daquela vinheta depressiva do Fantástico, decidi trocar de canal e parei no SBT. Estava passando uma clássica câmera escondida com Ivo Holanda. A pegadinha era simples: Ivo, caracterizado de açougueiro, fazia degustação de linguiças de porco para os clientes de um supermercado atraídos por uma placa com os dizeres: “Porco Fresco”. A pessoa experimentava, aprovava o sabor e fazia o pedido ali mesmo e, com a maior naturalidade, o açougueiro pegava um porquinho vivo e colocava dentro do moedor. Obviamente, tudo não passava de uma armação e uma bela assistente ficava escondida trocando o porco por uma linguiça já pronta. As reações foram as mais avessas possíveis. O tal ato de crueldade foi recebido com indignação pelas pessoas. Onde já se viu matar um porco só pra fazer uma linguiça?
O princípio de uma pegadinha é semelhante ao da piada: fazer rir pelo inesperado. Vamos à lógica nesta história: qual é a diferença entre o porquinho vivo que ele pegou no colo e a linguiça que estava frita e temperada no prato? Com certeza, poucos dias. Sabemos que, para a linguiça estar na nossa mesa, algum porquinho precisou morrer, assim como sabemos (ou fingimos não saber) que o processo de engorda é feito de forma agressiva e que os hormônios que os animais tomam afetam inclusive a nossa saúde. Mesmo assim, continuamos consumindo, acreditando que nada aconteceu. Essa vista grossa que fazemos me incomoda. Esse jeito que temos de lidar com as coisas, de querer acreditar no que nos convém e de se indignar com a verdade.
Coincidentemente, na mesma semana assisti a um vídeo chamado “To Back the Start” (De volta ao começo) que tem como trilha um trecho da música “The Scientist” do Codplay. O clipe faz parte de uma campanha do restaurante Chipotle, especializado em comidas mexicanas, e visa mostrar a preocupação com a origem dos alimentos. No site oficial, existe uma seção dedicada ao assunto, onde explicam que, apesar da boa vontade e preocupação, ainda é muito difícil encontrar fornecedores que se enquadrem nas exigências da empresa. “Muitos porcos são criados em fazendas industriais e não têm uma grande vida. Eles são criados em pequenos espaços de concreto e aço onde são aplicadas grandes quantidades de antibióticos para afastar as doenças. (…) Já os nossos fazendeiros criam os porcos de forma livre; os animais nunca são tratados com antibióticos e são alimentados com uma dieta vegetariana. Acreditamos que os porcos, sendo tratados desta forma, podem ter uma vida mais saudável e produzir uma carne mais saborosa”. O vídeo é uma campanha de marketing, verdade, mas funciona bem para fazer pensar.
Acho interessante essa preocupação de algumas empresas com o bem estar dos animais, embora nada mude o fato de que eles serão mortos — pelo menos, me sento menos culpado ao saber que eles não sofreram tanto durante a vida. O problema é encontrar lugares que vendam esse tipo de carne que, na maioria das vezes, só está disponível em mercados para um público com maior poder aquisitivo. Enquanto isso, resta-nos comer “Porco Fresco”, mas sem frescura, ok?