A sinopse do documentário “O Homem Urso” ( Grizzly Man) do cineasta alemão Werner Herzog lançado em 2005, sobre o naturalista Timothy Treadwell, que costumava passar temporadas de férias em reservas canadenses convivendo com ursos pardos é clara, factual e sinistra. A paixão de uma vida teve um desfecho trágico quando em 2003, Treadwell e a namorada foram mortos e devorados por um dos ursos que ele estudava. Seu equipamento dentro da barraca captou o áudio do ataque. O diretor poupa o público do conteúdo e o registro é posteriormente destruído. Uma das resenhas à época usou uma belíssima expressão para descrever a mórbida história: “A frieza implacável da natureza”.
Existem incontáveis criações nas artes sobre o antigo mote Homem X Natureza, um entre tantos exemplos é a popular xilogravura de 1831 “A Grande Onda de Kanagawa” do artista japonês Hokusai. Mas para estabelecer a ideia da fragilidade do ser humano opto hoje por uma análise sobre “O Velho e o Mar”, último livro de Ernest Hemingway. Aqui também, a natureza é o que dela se espera, para o bem e para o mal, implacavelmente fria.
Santiago é um pescador veterano que vive no crepúsculo de seus dias, habitando sozinho uma antiga e precária casa em Havana onde dorme sobre jornais amarrotados e pensa sobre a falta de sorte que atravessa. Há quase três meses não consegue uma boa pescaria. Seu único amigo, o garoto Manolín, é forçado pela família a desistir de acompanhar Santiago para se juntar com gente mais afortunada. O Velho decide se lançar ao mar, com uma perseverança comovente, e após sofrer pacientemente sob o sol, consegue fisgar um enorme peixe-espada. A luta do homem contra o gigantesco animal é apresentada como algo épico. Um ancião que já perdeu seus melhores dias de força e resistência, que já vê o mar com os olhos muito cansados de quem batalhou por toda uma vida, e testemunhou a honra e a glória, a alegria e a desgraça dos dias, o esforço apaixonante de provar para si mesmo que ainda é capaz de algo grandioso, de fazer seus desafetos engolirem suas palavras, de encher Manolín de orgulho, culmina em três dias de duelo até que o maior peixe já pescado, finalmente se entregue. Santiago exausto cumpriu sua missão. Amarra ao lado da embarcação o Marlin de meia tonelada, tão grande quanto seu próprio barco, para regressar triunfante ao cais.Estejamos atentos e fortes para os novos dias, porque o novo, o novo sempre vem. E que nunca nos falte amor humor e coragem, caso um Carrasco Azul apareça pela frente.
Hemingway possui uma escrita econômica em adjetivos mas sublime em significados. Nós podemos compreender facilmente o quanto a mensagem é universal, é preciso ter força sempre pra irmos em busca de nosso destino. E mesmo que estejamos já em nossa velhice onde os sonhos se acinzentam, é necessário sangrar as mãos, é preciso evocar o menino que vive no nosso coração, teremos que enfrentar a natureza.
Mas bravura e força de vontade não são amuletos que afastam os desafios e problemas da vida. A luta é constante, viver é trabalhoso e não há garantia de triunfo na linha de chegada, o mundo nunca se interessou por nosso suor ou nossas lágrimas, não ouve nossas súplicas, não se ofende com nossas injúrias. A natureza é apenas, como os ursos do Canadá, implacavelmente fria.
Santiago começa uma novo duelo contra os predadores que tentam roubar-lhe o prêmio, primeiro um tubarão , depois vários, cercando e abocanhando o peixe-espada. As pauladas do remo não são suficientes para afugentar o cardume que pouco a pouco vai devorando a vitória de Santiago.
Na costa, a população corre até a praia, observa assustada a gigantesca carcaça do peixe atrelada ao barco de Santiago, apenas a espinha sem carne como uma sardinha chupada por um gato sobrenatural. O velho já foi pra casa, desabar sob o peso do cansaço e da derrota.
A natureza é indiferente.
Um urso irá adentrar a barraca faminto após treze verões de mansidão. Uma onda imensa tombara a canoa insignificante dos Monges aterrorizados. Os Tubarões irão consumir por completo toda a carne e toda a esperança.
As vezes, o resultado pela soma dos nossos merecidos esforços, é nenhum.