Assim falou João Antônio: “Nós não estamos nem aí e não queremos nem saber, quem envernizou a asa da barata!”. A barata é há muito o avatar do Mal no inconsciente urbano pós moderno e dela trataremos em outro capítulo a fim de estudarmos sua ojeriza. O fato é que todos se felicitam quando outra espécie de inseto pousa descompromissado na fronteira do cotovelo da criança. Olhando de perto se parecem: seis patas, asas e antenas, mas a cor verde vívida as diferencia, e além do cromatismo a mais importante ruptura esta nos nomes populares: enquanto uma é sinônimo de pouco valor a outra não toma chinelada porque é simplesmente a esperança.
O falangista Pedro Laín Entralgo escreveu que “A futurição da existência animal tem sua forma mais própria na espera, viver animalmente é, em sua mais profunda e específica raíz, exercitar uma espera predatória ou defensiva”. Com essa inusual citação, abrimos os questionamentos implícitos desde que lemos o texto desta coluna. Afinal, o que é que estamos esperando? O que esperar do quê esperam de nós? Seria a esperança uma virtude teológica? Ou talvez uma mera transcendência abstrata e paralisante que possui a fragrância da ingenuidade pueril para aqueles que a renegam, os desesperados?
Coloca aí de fundo Esperanza Spalding cantando Ponta de Areia do Milton e vamos elucubrar. Já foi dito que sendo otimista ou pessimista você estará certo de ambas as formas. Os esperançosos estão no seu continuo vir-a-ser aguardando o amor, a reconciliação, a promoção, a boa notícia, a cura, o gol aos quarenta e cinco, a providência, o orgasmo, o convite, o paraíso, o dia de sol. Os desesperançosos também esperam por tudo isso, mas em polo invertido. Já intuindo de antemão o fracasso de alimentar a flor da expectativa e por isso mesmo corroborando sua irrigação.
Somos criaturas para o amanhã. Vivemos de sonhos. Acreditamos em milagres. Nossos projetos subjetivos ou concretos são um reflexo do nosso diálogo com o Absoluto. Com a fé na vida e no que virá. Nossos olhos buscam o além dos horizontes. E mesmo que o Divino não passe de mitos e DMT, todo sorriso de criança carrega consigo um milagre e a esperança de um mundo novo. No sorriso do bebê, o Satori se manifesta.
A coluna do Mr. Hyde deseja nesse início de ano que seu coração, cara leitora, caro leitor, seja limpo de todo desespero, e que você consiga guardar consigo a força do otimismo e da vontade de realização.
Não sabemos se reverteremos a crise climática, não sabemos se extinguiremos as guerras ou se teremos salário para o próximo boleto. Não sabemos se lembrarão do nosso aniversário e se seremos perdoados, não sabemos se reconstruirão os trilhos ou deixarão as casas vazias com viúvas nos portais. Faça apenas o que há de ser feito, com coragem e energia. E que certa manhã uma esperança entre voando pela janela e se assente no teu cotovelo distraído.
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