Dadá Maravilha ou “da insuficiência do pesar”


“Todos vocês estão acusados: Levantem-se!
De pé, como fariam para ouvir a
Marselhesa ou Deus Salve o Rei…
Dadá, sozinho, não cheira a nada;
Não é nada, nada.
É como as suas esperanças: Nada.
Como o seu paraíso: Nada
Como os seus ídolos: Nada
Como os seus políticos: Nada
Como os seus heróis: Nada
Como os seus artistas: Nada
Como as suas religiões: Nada
Vaiem, gritem, esmurrem meus dentes, e daí ?
Continuarei dizendo que vocês são uns
Débeis-mentais. Daqui a três meses, meus amigos
E eu lhes estarei vendendo os seus retratos,
por uns poucos francos.”

Manifesto Canibal Dadá
, de Francis Picabia, lido na noite Dadá do Théatre de la Maison de L’Oeuvre, Paris, 27 de março de 1920 

 

O primeiro enrolou-lhe a língua, engasgou, não esperava por essa, nessas horas não se espera por nada, quem espera algo chorando? Choro só sai, assim, jorro. Uma imagem batida, mas é essa explosão mesmo que tento retratar.

O segundo foi um soluço interrompido, faltou-lhe ar, sentiu refluxo, desejava expelir aquele estrago, arrebentar. Não sentiu nada ao ouvi-la, curiosamente; apesar de toda sensibilidade por ele auto-idealizada, cínica, racionalizada. Como se fosse possível também isso: ter razão e sentimentos.

Ou se fala ou se sente, não há dicotomias ou divergências (é preciso desejar muito a ausência pra se invocar palavras que impressionem, na melhor das desculpas, que “traduzam” realmente o sentido, pensado). Pois daí que é impossível sentir e pensar ao mesmo tempo. Façam o exame, acompanhem o esquema, experimentem, pois foi desta forma, que se encontrou. E nunca foi cartesiano.

Então, no primeiro engulho, um choro catarse, soltou bem os ombros, o pescoço levemente jogado pra trás, um toque de drama, pois no fundo, doía-lhe antes a planejada esquiva daquele instante; como se não sentir, ou pensar, fosse a última agressão. Frio, ele foi frio. Mas lutou contra isso. Junto dos ombros balançantes e do pescoço pra trás, voltou em um abraço tímido, recebido por outro desesperado, que resvalou em alguma protuberância que, na falta de melhor termo, chamou de “sentimento”. Tentou em vão, através de fru-frus e não-me-toques, alçar dignidade ao evento.

Esse abraço o fudeu.

Aí abortou outro soluço e irrompeu em uma convulsionante cena de viúva em funeral, e se abraçaram verdadeiramente – talvez a única verdade daquele dia, valendo até um termo em latim – caso soubesse latim -, arriscou: instantus veritas.

Ou se pensa ou se sente.

O pai-de-santo o indagava: “procure o sensível”. O sensível, experiência táctil (meu preferido) vem dos sentidos, certo? Daí em diante, logo em seguida, sendo o tempo uma abstração irreal, e o em seguida na verdade simultâneo, somos insetos apressados na parede. A tal busca de referências que permitem que vivenciemos a experiência em si em sua plenitude – sendo tudo isso variável e parcial, claro. Fez sua parte, esforçou-se, apesar de tudo. Mas é difícil. Há sempre a necessidade de se esquadrinhar possibilidades, motivos, sinais. De repente, fica todo mundo especialista. E essa porrada é doída demais. Não tem preparação, meu nego. Já esteve do outro lado. Secou as lágrimas, afinal, de que adiantavam?

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Douglas Evangelista
Douglas Evangelista
Ansioso, acredita sinceramente em panaceias que salvem o mundo e aceita de boa a pecha de tio fracassado em festas infantis. Escreveu aqui e ali na web e sonha um dia comprar um dálmata de nome Billy e descobrir o que é certeza.

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