Preppers de todo o mundo, levantai-vos!

Na urgência de sobreviver a crises econômicas, de energia, ao desemprego e ao aquecimento global, surgem pequenas e grandes revoluções mundo afora. Antes de adentrarmos em profecias apocalípticas pós-2012, vamos fazer um apanhado das diferentes posturas que existem por aí – das mais acessíveis (que podem fazer a sua vida mais criativa e mais barata) até as mais radicais, como por exemplo a dos “preppers” (“aqueles que estão se preparando” para um futuro sinistro; o termo vem do verbo preparar-se em  inglês, to prepare); grupo este que inspira um misto de fascínio e horror.

Um prepper exibe seu estoque de alimentos e itens de sobrevivência. Preparando-se para o Armagedom. Fonte: PressTV

Na ânsia por um futuro sustentável, há vários níveis de consciência. Socialistas, egoístas, paranóicos e realistas. Não dá pra botar todo mundo no mesmo saco – nem mesmo os preppers em si. São inúmeros os exemplos pelo planeta. O povo que sonha em abolir o automóvel (e eu me incluo aqui, buscando só andar de transporte público, bicicleta, canoa, teleférico…), as pessoas que evitam os produtos de proveniências muito distantes (preocupados com o impacto do comércio global sobre o planeta e sobre as economias locais) ou os que evitam os derivados animais, os vegans (acreditando que os animais merecem mais diginidade do que o senso comum acredita); existem também os grupos que estão buscando práticas e economias locais, criando moedas paralelas, em comunidades alternativas, vilas ecológicas etc. Sim, grupos que localmente escapam da moeda oficial do país para usarem suas próprias cédulas, numa correção de valores que preza o trabalho individual e não o consumo ou exploração do trabalho alheio (por exemplo, no wikipedia há uma página listando estas comunidades só nos EUA). E a primeira eco-vila que se tem notícia fica na Escócia, a Findhorn, criada nos anos 80.

Findhorn, Escócia, considerada a primeira eco-vila no mundo. Fonte: Findhorn.org

E como não poderia deixar de ser, é na economia (ainda hoje) mais poderosa do mundo, os Estados Unidos, que se encontram vários exemplos de todas estas tendências. Inovadores ou inacreditáveis, os preppers estão se preparando para o pior. Mudando-se para vizinhanças mais isoladas, eles tentam viver off the grid (fora do sistema), incomodando as as grandes corporações e autoridades federais. Estocam comida, primeiros socorros e animais para abate, praticam tiro ao alvo e sabe-se lá mais o que. Vários sites e documentários tratam sobre o tema (a maioria deles só em inglês). Um programa da National Geographic mostra como alguns americanos estão treinando a si e a seus filhos a defenderem suas casas e sua comida dos vizinhos (este capítulo é simplesmente as-sus-ta-dor).

“Doomsday preppers” pela Nat Geo

Até hoje, o que me identifiquei mais foi com as iniciativas das moedas locais, encontradas em diversos países do mundo. Aqui em Haia eu participo do Time/Bank (ou Banco do Tempo), um sistema de troca de favores e bens, baseado no tempo para realiza-lo. Ou seja, uma hora do meu tempo escrevendo, pode ser paga por alguém que deu uma hora de ioga, por exemplo, que por sua vez foi pago por outro que fez uma hora de tradução e por aí vai. O que parece estranho à primeira vista, se justifica na boa fé em equiparar diferentes trabalhos, porque no fundo somos todos iguais e queremos comer e habitar como qualquer um. Claro, conseguir fazer aquelas compras do mês com estas cédulas ainda está longe de se tornar realidade. Mas em vários eventos já realizados pela comunidade do Time/Bank a gente podia trocar: uma cédula de meia hora por um prato de comida! O importante é que estas ideias estão sendo implementadas e testadas em vários pontos do mundo. Contornando a dependência do dinheiro, seja o euro, o dólar, o real, buscam-se soluções locais a crises globais.

Cédulas do Time/Bank, válidas em várias cidades na Europa

Na minha última estada no Rio, recentemente, vi uma pequena tendência, anônima, até mesmo irrisória, de alguns indivíduos que só se locomovem de bicicleta. Um amigo arquiteto, um outro designer/DJ e outro dono de um pequeno restaurante. Pessoas que nem se conhecem, e muitas vezes estão em sintonia, fazendo suas pequenas revoluções, sem qualquer bandeira. Na substituição da gasolina pelas calorias – especialmente se pensarmos na insanidade que é o trânsito carioca – eles estão ganham tempo e ainda ficando em forma. Eu fiquei comovida em ouvir suas histórias, de como cruzam da zona sul à Tijuca, em condições adversas e sempre arriscadas, quase que todos os dias – eles já são sobreviventes! Sim, existe muita gente batalhando pra isso no Brasil. Mas sabemos que a luta pelo ciclismo no país caminha mal e lentamente, existe muita ignorância, preguiça e resistência em relação à criação de ciclovias, ao reconhecimento da bicicleta como um verdadeiro meio de transporte e não só de lazer. A instalação das bicicletas compartilhadas no Rio demonstrou uma enorme demanda de um público carente de ciclovias. Alguns podem argumentar também que as temperaturas e distâncias cariocas são as vezes muito maiores do que a referência holandesa por exemplo. Mas quem experimenta a praticidade de pedalar para ir ao trabalho ou pra estudar, não quer outra vida. Liberdade não se compra, se descobre, se inventa!

As bicicletas laranjas no Rio, que não são operadas pelo banco que nelas anuncia! Fonte: blog bike-sharing

Ok, vivendo na Holanda há três anos, eu me tornei mais consciente da demanda de energia a que o homem chegou, da insanidade do comércio global, do insustentável padrão de consumo vigente. Às vezes eu me vejo virando uma prepper também (já comecei a plantar tomates, cebola e várias ervas aqui em casa!). Mas paranóias a parte, não fique esperando o futuro, invente-o! Reflita sobre de onde vem a sua comida, os objetos a sua volta ou a roupa que você está vestindo e imagine quanto trabalho foi aplicado para produzi-los (pois é, os chineses estão aí!). Esta é uma longa discussão.

E fique alerta com os preppers! Leia mais: What is a prepper.

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Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues é carioca, artista plástica, cenógrafa e professora, radicada em Haia, nos Países Baixos. Seu trabalho une a dança à arquitetura, construindo pontes entre os cinco sentidos e a arte, entre a experiência individual e a coletiva. Ludmila também é apaixonada por kung fu e por cinema.

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