A pandemia está aí, por mais que alguns duvidem. Sair de casa virou um risco. A vida teve que ser adaptada para uma versão recatada, nada bela e do lar. Até mesmo uma mera ida mercado virou uma chuva de exposição ao vírus.
E em tempos onde pegar uma simples beterraba na prateleira é uma ameaça à sua vida, quem dirá pegar um outro ser humano. Os contatos nada imediatos subiram do 3º para o 10º grau. Não havia outra solução que não transformar as relações (que já eram líquidas) em mais virtuais que nunca. Inclusive as amorosas.
Se antigamente nossos avós se cortejavam na janela um do outro, hoje, com o impedimento de ir para a janela alheia, o ser humano teve que aprender outras formas de conquistar seu pretendente. Assim, uma das tendências que tomou conta dos apaixonados-online é a de regar esse amor ao próximo com um tsunami de curtidas maliciosas nas fotos de seu pretendente. Quanto mais pele na foto curtida, mais clara a sua intenção.
E, caso a sorte bata à sua porta e você consiga uma reciprocidade na tsunami flertiva, é hora de dar o próximo passo: luz, câmera, nude! Arraste os móveis do quarto, pegue aquela luminária da sala e explore os infinitos ângulos que o corpo humano tem, o importante é lembrar sempre da máxima chinesa: quem vê cara não coração e quem vê bunda não vê cara!
Assim, precavendo-se na beleza do anonimato, mande seu corpo como ele veio ao mundo na melhor vibe Verdades Nada Secretas e torça para sua sorte não ter ido embora. É, meus amigos, quem disse que não existia emoção nos amores em tempo do corona?
O pior é que, aumentando ainda mais a adrenalina desse rito do webamor, a próxima etapa é nada mais nada menos que acompanhar a vida do quase-conje nos stories e puxar assunto SEMPRE QUE POSSÍVEL. Achou que fosse ser fácil né? Mas o webnamoro só é verdadeiro quando, além dos nudes, você também tem interesse na pessoa. Afinal, é uma relação como qualquer outra (só que sem preocupações quanto ao álcool em gel).
Aliás, tem também uma outra diferença entre o webnamoro-pandêmico e as relações cotidianas do mundo saudável. Pois, nesse universo de emojis maliciosos e likes com a língua, a única coisa que é certa é que (rufem os tambores): a monogamia não existe. Quer algo melhor que um mundo sem cornos?
Tornou-se impossível apenas uma pessoa preencher a outra em todos os sentidos. Lá quem manda é a lei Marisa Monte sou de todo mundo e todo mundo me quer bem. Quem adivinharia que a mpb que salientaria a essência visceral dos nossos jovens? Tinham tantos apostando que seria o funk… E assim percebemos que, no fim, naquela hora da calada da noite, só nos resta nós mesmos, nossos 4 webnamorados e, para quem tem sorte, a Marisa Monte.
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Ilustradora convidada:
Ludmila Rodrigues
Artista carioca, multidisciplinar, Ludmila estudou em arquitetura na UFRJ, mas se enveredou para o mundo das artes plásticas, da dança e das artes marciais desde que se formou. Em 2009 ela foi estudar ArtScience, na Academia Real de Arte da Holanda (KABK, Haia), e desde então vem acumulando experiências como artista, cenógrafa, designer gráfica e às vezes performer. Seus trabalhos já foram expostos no Festival FILE (São Paulo, 2018), no Space Media Festival (Taipei, 2016), Cinekid (Amsterdã, 2016), na Ópera de Gotemburgo (Suécia, 2019), Schema Art Museum (Chengju, 2016), entre outros. Amiga e colaboradora do Trevous desde os primórdios, Ludmila contribui escrevendo, ilustrando e dando pitacos em diversos tópicos.
Foto de Autoria de Rodrigo Fonseca.