Sempre fui do tipo que se empolga facilmente. Uma ligação na terça feira para qualquer balada no fim de semana já é motivo para passar os próximos 5 dias feliz e imaginando como a noitada vai ser. Nunca falo não para um piquenique no inverno. Nem para pegar praia em dia nublado – às vezes até chuvoso. Isso não ia ser diferente na vida amorosa.
Saindo de casa naquela pressa que só quem acordou 10 minutos antes do expediente tem, peguei o 474 para ir para o trabalho. Naquela hora o ônibus não está vazio nem cheio: ainda tem assentos vagos, mas você tem que ir sentado ao lado de alguém. Algumas pessoas vão em pé por preferirem não sentar ao lado de um desconhecido. Eu sou “Algumas pessoas”. Apesar dos possíveis assentos, preferi ficar em pé e segurar a barra (literalmente).
O Spotify ligado no máximo. Ouvia uma música qualquer para me distrair do fato de estar indo para um trabalho que não amo nem odeio – assim como a lotação do ônibus. Acho que era MØ. Talvez Lorde. Era qualquer uma das atrações do Lolla que quase ninguém sabe o nome. Nessas horas de tédio todo estímulo é válido.
Sabia que algumas planilhas me esperavam no escritório. Talvez levasse um esporro por chegar atrasado. Tudo indicava que seria mais um dia normal. Nenhuma expectativa fora do normal para aquela quarta feira. Até que, alguns pontos depois da minha casa, subiu no ônibus um boy que não só despertou o meu interesse, como também aquela súbita vontade de subir no altar ali mesmo no meio do trânsito do Centro da cidade.
Eu vi que ele olhou. Ele viu que eu olhei. Não se importou em sentar ao lado de alguém que não conhecia. E, felizmente, não era tão longe de onde eu estava em pé. Olho para baixo. Olho para ele. Ele olha para a janela. Depois para mim.
Empolgado que sou, bastou a segunda olhada e já estava pensando no nome dos nossos filhos. Eu queria que fosse Max, mas ele não gostava de nomes curtos. Essa foi nossa primeira briga depois de casados. Minha mãe iria adorar ele. “Você é o genro que sempre sonhei” dizia Olivinha numa conversa em que nós três estávamos tendo na minha imaginação.
Será que ele estava indo para o trabalho também? Será que ele também está atrasado? Ninguém sai de casa nesse horário, com certeza ele também estava atrasado. Naquele momento já era óbvio que o destino queria a gente junto para sempre. Depois da terceira olhada estava mais que claro que nossas únicas opções eram: casar em Búzios ou casar em Angra.
“Não tenho coragem de falar com ele. É estranho abordar alguém assim do nada” eu gritava na minha cabeça depois de uma longa conversa comigo mesmo sobre servir cupcakes ou brigadeiros na cerimônia de casamento. Será que ele está pensando a mesma coisa? Por que não toma atitude? Olha minha cara de easy going, dá pra ver que sou do tipo de quem você pode chegar e puxar qualquer papo que vou dar conta de continuar o assunto.
Como eu queria saber o nome dele. Como dói seu marido não ter um nome, não ter um whatsapp, não te ligar todo dia perguntando como foi no trabalho. Naquele ponto não estava ouvindo mais nenhuma das músicas que o fone de ouvido insistindo em tocar. Ponto? Ponto??? Meu ponto!!! Tive que puxar a corda correndo.
Foi um término sofrido. Nunca mais nos ligamos. A Lua de mel nem chegou a acontecer. O Max deve estar esperando algum de nós dois ir lá no inglês buscá-lo – ele ia ser tão lindo se fosse real. Entrei no trabalho, liguei o computador e as planilhas estavam lá: prontas para me fazer esquecer o rosto do meu ex-marido.
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Ilustradora Convidada:
Ivy Serravalle
Prazer, eu sou a Ivy, sou uma mulher trans e estou no mês do meu aniversário de 25 anos, eu trabalho com animação e eu também ilustro, sou apaixonada por arte e sempre vi ela como uma janela pra me expressar e deixar parte de mim reverberando no mundo.