Já dizia o ditado: a grama do vizinho é sempre mais verde. Entretanto, na história de Carmélia, o mais preciso seria que os colares das outras são sempre mais luxuosos, que a bolsa da amiga era sempre mais bonita e que suas vizinhas eram sempre mais magras, não importa quantas refeições ela coloque para fora.
Na infância, enquanto sorria para as ilustres visitas de seus pais, Carmélia cuspia na cara dos funcionários que não lhe agradavam. E, para a surpresa da high society, quando adolescente, os pais da nossa heroína faliram — mas, como boa heroína, ela não se desapegou do dinheiro.
Casou-se com um ricaço, que, seis anos depois, morreu engasgado misteriosamente nas próprias aflições e deixou Carmélia sozinha, apenas com seu dinheiro. Coitada.
A pedacinho-de-céu (assim que era vista pela sociedade) se mudou para um condomínio fechado de luxo, reservado apenas para viúvas que herdaram milhares de milhões de seus falecidos ricaços. O problema é que nesse condomínio todas eram iguais a ela e isso não podia ser assim.
Carmélia decidiu reformar sua casa e torná-la não apenas a maior do condomínio, como também a com a arquitetura mais sofisticada já criada pelo homem. O conceito Vazio nunca foi tão bem executado. E, quando a reforma ficou pronta, ela deu uma super festa para todas da vizinhança. Foi o evento mais elegante que qualquer uma ali já havia participado. Isso saciou a fome de atenção de Carmélia, mas deixou a das outras com água na boca.
Não passou muito para que todas do condomínio mudassem os tetos das casas e a decoração-vazia-clean de Carmélia virasse moda. Porém, uma delas foi mais ousada, Rosa era seu nome, essa mulher detestava nossa pedacinho-de-céu e construiu uma casa de três andares, só que com uma decoração rústica que ia contra tudo o que Carmélia chamara de tendência.
Rosa deu uma festa finíssima e garantiu que Carmélia fosse e ficasse morrendo de inveja. Isso foi um golpe fatal no ego da nossa pobre viúva, fato que levou ela a sair de lá no telefone com o mestre de obras para reconstruir sua casa mais uma vez.
Agora com quatro andares e decoração abstrata, Carmélia se debruçou no Non Sense para a festa de casa nova extremamente luxuosa que ela deu. Se a de Rosa foi um golpe, pode-se dizer que essa celebração de Carmélia foi um nocaute.
Rosa retrucou transformando sua casa em uma torre com decoração francesa iluminista e convidando todas do condomínio para passar uma semana nela. Foi a semana mais difícil da vida da pedacinho-de-céu. Ego e inveja se alimentam como dois seres vivos nervosos enquanto não se saciam por completo.
As duas invertiam quem era a caçadora e quem era a presa a cada semana. As casas delas se transformaram em arranha-céus e, por nenhuma saber sobre engenharia, esses prédios eram bambos, sem estabilidade.
Carmélia e Rosa conseguiram se sustentar nas alturas cheias de balanço por alguns dias, mas, como diziam seus cirurgiões plásticos: chega uma hora que a gravidade pesa. Era a semana da nossa pedacinho-de-céu dar a sua festa e, quando todas do condomínio estavam reunidas no top o do prédio, ele desabou.
Não foram apenas as várias dondocas que lá estavam que pararam mortas nos escombros, inclusive Rosa, mas também todo ódio que elas sentiam umas pelas outras — e por si mesmas. O mundo dormiu sem saber dos lindos posts sobre amizade que perdeu no Instagram.
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Ilustrador convidado:
Jovan Ferreira é ator e artista visual da zona oeste do Rio de Janeiro. Experimenta a integração entre as artes na concepção de cenários-instalações para o Teatro. Trabalha também com ilustração e colagem a partir de material reciclável (@atelievoara), além de outras técnicas e linguagens como fotografia e vídeo-performance.