Frank Johnson (Ross Elliott) não é um homem de sorte. Em uma noite qualquer, enquanto passeia com seu cão, ele acaba presenciando um assassinato e tropeça em uma investigação contra um chefão do crime coordenada pelo inspetor Farris (Robert Keith). Temendo por sua vida, já que agora ele também é procurado pelo assassino, o azarado sr. Johnson foge. Sem pistas do paradeiro de sua nova testemunha, o inspetor começa a ficar a cola de Eleanor (Ann Sheridan), esposa do desaparecido. Assim, são introduzidas as peças centrais desse estranho jogo de xadrez que é “Na Noite do Crime” (1950).
Porém, esta introdução não dá conta de um traço bem interessante desta obra. Se por um lado este filme de Norman Foster é um filme de crime aos moldes noir, por outro, parece esconder sob esta face cínica e desesperadora, um drama familiar — mesmo que o sr. e sra. Johnson apenas se encontrem no final do filme. Aqui, aliás, temos um primeiro elemento fascinante deste filme, em vez de um detetive durão, um sujeito obcecado pela verdade ou um indivíduo que mergulha pouco a pouco na corrução, temos como protagonista justamente Eleanor, que irá empreender a busca por seu marido desaparecido.
Eleanor compartilha seu cinismo, astúcia e língua afiada com alguns tipos comuns do cinema noir, porém nela, ao contrário destes, não parece existir o desejo obsessivo (as raias do patológico) pela verdade. Sua busca é fundada por sua relação e história compartilhadas com seu marido, que como é comum nestes filmes, corre risco de morte e, não só pelas mãos do assassino, mas também por uma doença cardíaca.
Obviamente, não é novidade que, ao contrário das narrativas de detetive clássicas, muitas vezes um filme noir (termo bem escorregadio e detentor de muitas definições diferentes) é menos sobre a descoberta de um assassino em si, do que uma imersão nos conflitos humanos e no íntimo de indivíduos à margem da lei ou da sociedade. A obsessão, a mentira, a traição, a morte, a corrupção, a violência, a difícil diferenciação do bem e do mal; tudo isso está de alguma forma relacionada aos jogos de luz e sombras do universo noir. Em “Na Noite do Crime” não é diferente. No entanto, esta lógica se dá de uma forma curiosa. Desde as motivações da protagonista até ao modo como alguns elementos comuns neste tipo de filmes são usados.
Primeiro, falemos da protagonista. Eleanor compartilha seu cinismo, astúcia e língua afiada com alguns tipos comuns do cinema noir, porém nela, ao contrário destes, não parece existir o desejo obsessivo (as raias do patológico) pela verdade. Sua busca é fundada por sua relação e história compartilhadas com seu marido, que como é comum nestes filmes, corre risco de morte e, não só pelas mãos do assassino, mas também por uma doença cardíaca.
Trailer do lançamento do Blu-ray/DVD restaurado
Este último dado é importante, uma vez que esta enfermidade só é descoberta por sua esposa ao graças a sua investigação. A busca de Eleanor por seu marido, é a busca por um quase desconhecido. O mistério central do filme não é tanto a identidade do assassino — que é revelado de forma bem descompromissada e quase banal— ou a localização de Frank, mas sim, quem ele é de verdade. De certa forma, esta incompreensão é mútua. Assim como a relação de Frank com suas obras nunca terminadas, tanto ela quanto ele parecem não ter uma visão completa um do outro e de si mesmos.
Há, assim, uma dualidade entre a aparência e a essência. Esta lógica se dá também com Danny Leggett, personagem de Dennis O’Keefe. Este, primeiro se apresenta como um repórter de um jornal e, como tal, se propõe a ajudar Eleanor. Contudo, suas intenções são muito mais obscuras. Na verdade, este personagem não existe em “Man on the Run”, conto de Sylvia Tate que deu origem ao filme. Leggett foi uma criação de Alan Campbell e Norman Foster, uma adição bem interessante. Graças a este personagem, cria-se uma tensão e suspense que são prolongados ao limite no filme.
É certo, que “Na Noite do Crime” reserva muitas descobertas mais e dá margem a muitos outros pensamentos e elucubrações. Por exemplo, a recusa total aos flashbacks como forma de trazer personagens, lugares e acontecimentos do passado de Eleanor para o presente. Ou como a mise-en-scène evidencia as artimanhas, as trapaças e o jogo de gato e rato entre os personagens. Da mesma forma, se levarmos em conta que Ann Sheridan participou da produção do filme ou que os alguns dos principais atores puderam contribuir com o roteiro durantes as filmagens, podemos enxergar este filme de outra forma. Mas aí, tanto eu quanto vocês teríamos que ter algum tempo a mais.
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