“Até Que a Brisa da Manhã Necrose teu Sistema” de Ricardo Celestino

Da dura poesia concreta da carnificina, da deselegância sintética das serotoninas

Há quem ache que o movimento Punk começou com o Supla. Sim, logo após Prefeita Marta e Senador Eduardo insistirem para que o jovem astro limpasse seu quarto. Há quem pense que exista uma relação entre o seriado consagrado pelo SBT, “Punky – A levada da breca” e o estilo materialmente desapegado dessa cultura. Há quem remonte os primeiros passos do campo estético aos famigerados penteados dos índios moicanos da América do Norte. Há, obviamente, quem acredite que eu criei todos esses sujeitos ocultos, no início do texto, apenas pra dar força argumentativa para minha análise. Fato é que jamais deixarei os fatos atrapalharem minhas resenhas. Porém, a tal verdade é que o Punk morreu quando virou manequim nas lojas de grife e pano de fundo dos clipes musicais dos anos 80. No entanto, para o bem dos topetes e das correntes cromadas, vez por outra, o Punk ressuscita como um zumbi esfomeado em busca de páginas frescas e mentes deslocadas.

“Em última análise, o autor encaixota o Punk em um mundo autoritário, visceral, pragmático, onde corpos e peças são apenas subprodutos da humanidade industrializada. Certamente, não é um livro para corações leves e mentes anestesiadas. Sobretudo para gente fofa que saúda o sol pela manhã e responde mensagens com carinhas felizes e amarelas…”

Não por outra razão, o livro de hoje restaura — bem antes do terceiro dia — tudo o que se perdeu e acrescenta uma nova dinâmica ao gênero. Resgata o barro e conecta os fios, tal qual um Gepeto Asimov do antigo testamento. Sim, Ricardo Celestino nos banqueteia com a gordura singular e proteica do “Até que a Brisa da Manhã Necrose teu Sistema”. Se já no título e na capa somos apresentados ao poético visceral e niilista, em suas folhas confirmamos essas expectativas.

Escrito basicamente na segunda pessoa, são vários focos narrativos para montar uma insana história com pé, sem um braço, mas com boa parte da cabeça. Misturando poesia modernista e um fluxo de consciência — que deixaria ruborizada as bochechas, já rosadas, de Chuck Palahniuk — Celestino nos insere em um mundo pós-apocalíptico cruel, embora bizarramente funcional. E quando utilizo o “bizarro” por aqui, faço na melhor acepção da palavra e não como um jovem empolgado com algo trivial. Pois bem, sem qualquer pudor, o autor parte de Fernando Pessoa, passa pelo canibalismo legalizado e inteligências artificiais psicopatas, até alcançar um tratado filosófico existencial que dá sentido ao Universo esmigalhado de sua obra. Imagine se David Lynch tivesse dirigido Vingador do Futuro, hein? Ou Glauber Rocha tesourando Blade Runner? Imaginou? Ótimo, fico muito feliz com vocês seguindo minhas orientações.

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Chuck incrédulo

Mas, como tudo na vida é um escambo de partículas, agora irei responder suas perguntas, leitores. Sim, é claro que tem o genial Andy Kaufman para salvar o dia. Não, ele não lê Gatsby. Por óbvio que temos um milico-ianque histérico, um matadouro de gente, um Salvador com uma nova consubstanciação de carne, sangue e alma, e um sistema chamado “Pátria Amada”. É evidente que o protagonista mora em São Paulo, seu nome é Mário e eu me recuso a fazer piadinhas datadas como: “Que, Mário? Aquele que foi drenado pelo sistema sem chance de enrabar ninguém qualquer que fosse o lugar, armário ou não.” Não, não tem nenhum super-herói de capa nessa história, caras! Vocês precisam se acostumar com isso.

Em última análise, o autor encaixota o Punk em um mundo autoritário, visceral, pragmático, onde corpos e peças são apenas subprodutos da humanidade industrializada. Certamente, não é um livro para corações leves e mentes anestesiadas. Sobretudo para gente fofa que saúda o sol pela manhã e responde mensagens com carinhas felizes e amarelas. Não, de modo algum. É uma obra para quem respeita e teme o inevitável desconforto do amanhã caótico. “Até que a Brisa da Manhã Necrose teu Sistema” é um verdadeiro experimento que, em meu grandioso entendimento, deu muito certo, feito Napalm, Gás Sarin ou Agente Laranja.

Portanto, aproveite por minha conta e seu inteiro risco.

Ah, e como sei que vocês adoram quantificar o grau de satisfação em notas, bonequinhos e estrelinhas, segue meu juízo.

Avaliação: ⚡️⚡️⚡️⚡️⚡️

Muitas estrelas. Não todas. Afinal, a Galáxia é enorme.

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Capa do livro "Até Que a Brisa da Manhã Necrose teu Sistema", onde se vê o título do livro em fontes estilizadas de cor amarelas e um braço metálico segurando um braço arrancado. O cenário parece ser um beco em que as paredes são feitas de tijolos.
Título: Até Que a Brisa da Manhã Necrose teu Sistema
Autor: Ricardo Celestino
Editora: Clube de Autores
Ano: 2021

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Rafael Sollberg
Rafael Sollberg
Rafael Gondim D`Halvor Sollberg tem nome de príncipe escandinavo, mas é plebeu latino-americano até a raiz dos ossos. Antinatural em qualquer lugar, embora nascido no Rio de Janeiro, é um sociopata com consciência social, ateu pouco convicto, escritor moderado e leitor radical. Integrante proscrito do Podcast “Esculachos Cacofônicos” e vídeo-resenhista de clássicos clandestinos da literatura nacional no Canal do Youtube: “Adorei! Nota 2.”.

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