As experiências de imersão nunca foram novidade para aqueles que mesmo vivendo na cidade se permitem fazer uma trilha na floresta. Esse contraste de espaços possibilita consciência a respeito daquilo que nos afeta. No caminho diante dos aromas de um ar puro e as cores da vegetação, nos deparamos com a riqueza de sonoridades. Essa experiência entorpece os sentidos de novas percepções e demonstra um corpo imerso em um espaço natural.
Para além das dualidades entre o pensamento científico e exotérico estão os indícios daqueles que por anos vivenciaram de forma sensível as percepções desses ambientes. Quem caminha na floresta claramente percebe mudanças significativas no estado psíquico. Meditar diante do som das ondas é algo usual e já durante o século XVIII era receitado por médicos que encaminhavam seus pacientes com problemas psicológicos para as chamadas terapias de banho, ministradas por clinicas localizadas próximas ao oceano, como afirma a professora Lora Fleming do European Centre for Environment and Human Health and chair of oceans.
Com o tempo a ciência avança e com ela as tecnologias que possibilitam comprovar o funcionamento do cérebro diante de circunstâncias ambientais. Afinal, há pouco mais de um século, o ser humano se entorpeceu das paisagens sonoras ruidosas e artificias geradas pelas cidades que se expandem exponencialmente.
Até então as consequências disso diante da psique humana pouco foram aprofundadas. Mas atualmente é amplamente discutido a necessidade de cuidar da mente e a importância do contato com a natureza. Sobretudo pensemos naqueles que enfrentam questões como barreiras socioeconômicas, privação da liberdade, problemas de locomoção, ou os hospitalizados. Esses certamente não podem usufruir dos benefícios de uma caminhada na floresta. Pelo contrário, tais fatores limitantes que impedem o deslocamento de parcela da população podem resultar em consequências como distúrbios psicológicos, ansiedade, depressão e as diversas síndromes relacionadas.
Um experimento que consiste na submissão do participante a ouvir paisagens sonoras gravadas em ambientes selvagens e em ambientes urbanos. Enquanto a atividade cerebral foi medida em scanner de ressonância magnética, a atividade do sistema nervoso autônomo foi monitorada por meio de mudanças minuciosas na frequência cardíaca.
Ao término do experimento uma importante confirmação foi feita pela equipe. A atividade na rede de modo padrão do cérebro – um conjunto de áreas em atividade quando estamos descansando – era diferente dependendo do som ambiente. Ou seja, ao ouvir sons naturais a conectividade do cérebro refletia um foco de atenção voltada para fora. Por outro lado, ao ouvir sons artificiais, a conectividade do cérebro refletia um foco de atenção direcionada para dentro, semelhante aos estados observados na ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e depressão. Em relação ao sistema nervoso de “relaxamento/digestivo” houve um aumento na atividade ao ouvir sons naturais em comparação com os artificiais, o que resulta em um melhor desempenho no monitoramento de tarefas que exigem atenção espacial.
Afinal, se as características do som ambiental afetam nossa saúde mental e bem-estar, como podemos levar a natureza para aqueles que não tem acesso a ela em seu cotidiano? Tais confirmações nos levam a legitimar este campo formidável da terapia do som.
Como em grande parte das perguntas da atualidade, ao “dar um google” é possível encontrar algumas respostas. Em uma busca simples a respeito de aplicativos de sons naturais encontramos diversas empresas que criaram aplicativos direcionados a terapia do som. Dentre elas temos por exemplo a Rain Sound HQ, que promete uma boa noite de sono e momentos de relaxamento com suas mais de 75 opções de ambientes chuvosos gravados ao redor do mundo, além do som de riachos e cachoeiras. Tudo isso parece se atestar com suas 4,8 estrelas em 14,6 mil avaliações na Apple store.
Esse é apenas um exemplo dentre os diversos aplicativos já desenvolvidos em torno da indústria da terapia do som. Mas, se pudermos destacar uma ferramenta como sendo a mais importante no intuito de dar acesso aos sons de ambientes naturais, essa seria o youtube. Nele podemos em uma simples busca encontrar praticamente qualquer tipo de paisagem natural. Do som das ondas do mar, ao das cachoeiras de uma floresta selvagem, ou até mesmo uma chuva com raios na cidade de Tóquio, no Japão.
Para quem se interessa pela terapia do sonora, é importante ressaltar que é preciso buscar o aplicativo ou mesmo o canal do youtube que mais se adeque aos seus ouvidos e a sua percepção do que é relaxante. Afinal, naturalmente se você tem medo do mar, o som das ondas não será tão confortante e nesse caso o melhor seria substitui-lo pela paisagem sonora de uma floresta e seus pássaros.
Contudo, nada substitui uma caminhada real nesses ambientes naturais. Afinal a tecnologia ainda não consegue reproduzir os odores da vegetação, que por sua vez também geram bem-estar e até a prevenção do câncer, como também confirmaram em seus estudos os cientistas da escola de medicina de Nippon, em Tóquio.
Percebemos com essa reflexão a importância de nosso corpo imerso em tais ambientes. Mas o que aconteceria com nós seres humanos se esses espaços desaparecessem?
Um dos maiores especialistas em sons naturais do mundo, Bernie Krause faz um importante alerta a esse respeito em seu livro “A grande Orquestra da natureza” (2013). Nele o músico e ativista ambiental relata uma vida dedicada a gravação do som de ambientes naturais e vida selvagem, que o levou a perceber que ao analisar o som da floresta entenderemos muito mais sobre a saúde daquele ecossistema.
Em um experimento realizado no verão de 1988, Krause viajou três horas e meia de São Francisco, a uma área de manejo florestal nas montanhas de Sierra Nevada, onde uma corporativa havia obtido uma concessão para iniciar a extração seletiva de madeira, para fazer a gravação da paisagem sonora antes dos procedimentos. O biólogo da empresa garantia que não ocorreria nenhum dano ao habitat, pois a companhia desenvolvera novos métodos de extração, em que poupariam as árvores Sequoias maiores e mais antigas. Como relata Krause “era um lugar sonoro e encantador”.
Gravação de antes da extração:
No verão do ano seguinte, no mesmo mês, mesmo dia e na mesma hora (por volta do amanhecer) ele refez a gravação. Relata que em um primeiro momento, na borda da floresta visualmente não parecia haver tanto impacto diante da extração. Mas bastou fazer uma caminhada adiante para perceber áreas extensas de solo exposto devido a retirada de árvores e que aparentava uma extração significativamente maior do que a combinada. A floresta havia sido destruída para retirada de madeira.
“vistos por olhos humanos tão facilmente enganáveis – ou através das lentes de uma câmera fotográfica ou de um vídeo, o lugar em um primeiro momento ainda perece selvagem e intocado, mas se uma imagem vale mais do que mil palavras, uma panorâmica acústica vale mais do que mil imagens”. – Bernie Krause, A Grande Orquestra da Natureza, 2013.
Gravação de depois da extração:
Após o processo extrativista diversos sons desapareceram, o que indica também o desaparecimento de espécies daquele ecossistema. Krause relata que retornou ao local dezenas de vezes para o monitoramento sonoro da região e que aquela paisagem sonora nunca mais fora a mesma desde a extração das árvores. Logicamente o resultado disso é um ambiente que não é mais tão potente em saúde sonora.
Além disso é urgente entendermos que a destruição de um ecossistema não é uma pauta restrita aos ambientalistas, mas de todos os seres viventes do planeta. A destruição da natureza nos leva a escassez ano após ano de ambientes que promovem a cura do corpo e da mente. Afinal, se desejamos que os espaços sonoros naturais continuem nos proporcionando saúde e bem-estar, é preciso proteger a voz da floresta.
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