No curso de publicidade aprende-se a arte do Naming, que é o ato de criar nomes que transmitem uma ideia positiva e impactante sobre um produto, ação ou marca. E apesar desse nome modinha em inglês estadunidense, a prática do Naming é muito antiga. Ela já distorceu ideias como as Grandes Navegações, que, com esse nome glorioso, escravizou mais de 10 milhões de pessoas. Ou então a “Descoberta do Brasil” que disfarça o fato que ninguém descobriu nada.
Embora os exemplos que eu usei são históricos, temos aos montes casos de “Grandes Naming, Pequenas Verdades” na nossa atualidade. Um que eu adoro é a Rachadinha. Esse nome é quase um funk dos anos 2000. É um nome tão inofensivo quanto Atoladinha (que era sobre fazer sexo na praia) e Tiazinha (stripper do horário nobre na década de 90). Você não acha ofensivo Rachadinha ser um esquema de corrupção milionário praticado pelo filho do presidente — talvez O Grande Desvio fosse mais apropriado?
Entretanto, o naming que eu acho mais nocivo para a sociedade hoje em dia é o de chamar a “Classe Média” por esse nome. Ele dá uma sensação de equivalência da distância entre a classe média e a classe rica e a distância entre a classe média e a classe pobre. Ela faz parecer que essa dita “Classe Média” realmente está no meio de alguma coisa (além de um fogo cruzado).
A ideia desse nome é meio ingênua, faz parecer que tem 3 casas, uma do ladinho da outra, e que elas podem se ajudar mutuamente, afinal são vizinhas. Sendo que na verdade, se fossem casinhas, a Classe Rica estaria a cem campos de golf de distância da Classe Média – inclusive da “Classe Média Alta” (a prima esnobe e autoproclamada). Enquanto essa, a casinha “intermediária”, na verdade, estaria coladinha na pobre, sentindo o mesmo mal odor da rua, separadas apenas por um muro cheio de cacos de vidro.
Durante a pandemia do Coronavírus, o patrimônio dos super-ricos brasileiros cresceu 34 bilhões de dólares, um aumento de 30% na riqueza desses 42 bilionários. Nos Estados Unidos, se somarmos as fortunas de Bill Gates, Jeff Bezos e Warren Buffett os três têm mais dinheiro que 50% da parte mais pobre da população americana (que, por si só, já é a população mais rica do mundo). Enquanto isso, o Banco Mundial estima que 50 milhões de latino-americanos estarão abaixo da linha da pobreza até o fim da pandemia.
Então, o poder do Naming em “Classe Média” é o de dar uma falsa sensação de valor, sendo que a desvalorização é cada dia mais presente. Mas eu gostaria de propor que a gente mudasse para um nome mais verdadeiro, que agregasse uma consciência de classe e que, sempre que dito, nos lembrasse de qual lado do campo de golf nós estamos. Por isso, levantei algumas sugestões: Classe Pobre Plus, Classe Povão Prime, Classe Proletário Max, Classe Pobre Vip, Classe Pobre Camarote, Classe Pobre com Benefícios. E aí, com qual você se identifica mais?
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Ilustrador Convidado:
André Terayama
Sou um artista visual nipo-brasileiro interessado nas possibilidades do corpo em representações narrativas em vídeo, performance e desenhos. Atualmente faço uma série de experimentos em fotografias e narrativas gráficas onde eu exploro questões como espaço urbano, identidade e a história dos nipo-descendentes.
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