Mr. Robot (2015-2019),criada por Sam Esmail, está longe de ser uma obra perfeita, mas ainda assim tem um lugar entre as grande séries dos anos 2010, como uma produção que, mesmo estando em uma emissora pequena (USA Network), conseguiu chamar a atenção pelo seu tom independente e sua estética marcante.
Estética essa cuja construção está intrinsicamente ligada ao seu trabalho de fotografia, que de forma singular enquadrou as principais angústias e medos da sociedade americana da década passada. Sendo assim, hoje faremos uma analise da fotografia de Mr. Robot e como ela serviu de amplificador para as principais questões da série.
Contato humano e relações sociais:
DiPierro: Alexa, você me ama?
– T02E11: “eps2.9_pyth0n-pt1.p7z”
Fazendo uma dissecação direta, na primeira temporada de Mr. Robot a fotografia segue as seguintes diretrizes:
Ignorando a regra dos terços, os enquadramentos são feitos de forma que jogam os personagens para o canto da tela, usando um quarto ou até mesmo um quinto da tela apenas:
Quando se trata de planos próximos a ideia é preferir por câmeras na altura da cabeça dos personagens, deixando seus olhos perto da linha da metade vertical da tela. Já em planos distantes, geralmente os personagens são mostrados da linha do busto para cima, reduzindo seu espaço em tela:
Além disso, a câmera geralmente se posiciona num ângulo de 45º em relação a direção em que o personagem está olhando. Sempre nos deixando com apenas um lado da face do personagem:
Movimentações de câmera são raras e quando aparecem são bem estáveis e tentam manter essas regras de enquadramento:
A paleta de cores é sempre pálida independente da cor e a focagem vezes tenta separar o personagem em foco do ambiente quando está perto, vezes tenta mostrar como ele é pequeno diante do ambiente com um foco mais aberto:
Agora, o propósito disso tudo segue alinhado com uma temática que está presente tanto na superfície quanto no subtexto da série: o contato humano e as relações sociais. Primeiramente, é importante falar que o roteiro de Mr. Robot traz uma ideia um pouco paranoica e megalomaníaca abordando como os nossos costumes sociais atuais (com as redes sociais e etc.) tendem a ser meras fabricações rasas. Além do “fato” de sempre existir uma outra faceta mais sombria, as vezes criminosa, que escondemos em meio a internet.
O único “realismo” da série está presente nas questões que envolvem tecnologia, cyber segurança e nosso contato com o digital. Quando se trata de trama, o tom do roteiro se desprende um pouco do compromisso com a reprodução do real, tendo personagens que tendem ao caricato. Muitos desses inclusive representam uma espécie de personificação de instituições e entidades, quase como em um teatro de sociedade.

Então, nesse universo cujo pano de fundo é realista e o tom e o recheio mais caricatos, a fotografia estabeleceu essas regras com dois propósitos claros: amplificar o realismo da série – algo que é notável desde o primeiro episódio – e representar as relações humanas de forma mais fria e apática. Uma escolha que por consequência, as desumaniza.
É raro de se ver uma cena em que fique claro o contato entre duas pessoas: O ângulo e o enquadramento da câmera nos fazem ver uma parte da pessoa, sendo que sua face mostra mais um lado do que o outro (representando uma persona talvez). A iluminação deixa a pele mais pálida ao ponto de ser difícil de ver falhas e marcas. É incomum de se ver um dialogo entre duas pessoas sendo expresso por meio de um ângulo sobre o ombro (over the shoulder) ou até mesmo com os dois personagens no mesmo plano.


Porém é nas relações entre Elliot (Rami Malek) e outros personagens (na parte mais próxima da superfície do roteiro), que existe uma exceção: Seja no contato com seus interesses amorosos, como Sheila (Frankie Shaw) e Angela Moss (Portia Doubleday); com sua (esquecida) irmã Darlene (Carly Chaikin); ou até mesmo com sua segunda personalidade inspirada em seu pai, Mr. Robot (Christian Slater).

Poder e controle:
White Rose: Você hackeia pessoas, eu hackeio o tempo.
– T01E08: “eps1.7_wh1ter0se.m4v”
Na segunda e a terceira temporada, o roteiro da série aborda com um pouco mais de profundidade uma outra questão já presente no ano anterior: as relações de poder e controle. Em meio a crise gerada pelo “ataque de 9 de maio” (Five/Nine Hack), a falta de estabilidade econômica e social se intensificam nos Estados Unidos e em outros países do mundo. Nesse contexto, o roteiro e a fotografia da série trabalham com questionamentos de “quem realmente tem o poder na sala”.
Seja numa abordagem macro como na relação entre a E Corp e o governo americano:


Ou em uma abordagem micro, com as relações entre Mr. Robot e Elliot:


Além disso o vácuo de poder e a desordem estabelecem duas ideias interessantes: a primeira que, se antes havia uma aversão entre os personagens e a sociedade por conta dos costumes sociais que as pessoas praticam, agora existe um medo. Assim, vistas e panoramas antes mostrados para destacar grandiosidade, e até um pouco da monstruosidade, agora retratam o declínio e pavor.
A segunda ideia, mais ligada a superfície do roteiro, está relacionada à ascensão do grupo hacker Dark Army. Por se tratar de um grupo misterioso que presa pelo anonimato e pode agir de forma inesperada com seus diversos contatos, elementos de suspense e ação são adicionados para retratar o poder de tal entidade e a falta de controle dos personagens.
É possível notar isso na sequência do tiroteio em Pequim (T02E05:eps2.3_logic-b0mb.hc):
E na cena do tiroteio na cafeteria (T02E10:eps2.8_h1dden-pr0cess.axx):
Outro elemento que se soma a esse suspense e a desumanização das relações entre personagens é a representação de algumas cenas por meio de planos zenitais. Neles, o interessante é notar quem está falando com quem e não necessariamente o que é que está sendo dito, algo que nos faz ver os personagens como meros peões em um tabuleiro maior:
Porém, o mais interessante tanto do texto, quanto da fotografia de ambas a temporadas é a quebra das regras em favorecimento de uma reflexão maior sobre as questões abordadas no começo da série. Em meio ao cenário de crise, Elliot se questiona sobre os reais resultados do projeto que ele começou enquanto tenta reestabelecer contato com pessoas próximas:
Assim, começa um processo de maior contato entre personagens e de aproximação da câmera com eles. Algo que é essencial para a conclusão da série na temporada seguinte.
Mr. Robot: Especial de Natal:
Fernando Vera: Está na hora de conversarmos.
– T04E05: 405 Method Not Allowed
Em sua última temporada, o roteiro de Mr. Robot decide abordar de forma mais forte e direta as questões relacionadas ao contato humano. Em meio ao clima natalino, algo que está longe de ter sido uma escolha acidental, o texto da série trata das diferentes facetas das relações sociais enquanto o arco da temporada opera como um grande heist contra a “vilã” da série, White Rose (BD Wong).
É possível ver isso em quase todos os episódios. Porém vale o destaque para os episódios 3, 4 e 7 dos quais as questões relativas ao alcoolismo, à depressão e ao abuso infantil deixam de ser elemento para abordar o lado ruim do contato humano e se tornam uma oportunidade de chamar a atenção sobre essas questões e divulgar ajuda para aqueles que precisam. Sem contar o papel do último como uma questão crucial para o desenvolvimento da série.

Enquanto isso a fotografia da série rompe com o restante das regras existentes e decide se utilizar do clima de festas como referência para construção das imagens.
A iluminação deixa de ser pálida e passa a ser mais quente e direta, se utilizando bastante das luzes suaves natalinas e das luzes duras dos resquícios de sol que existem durante o inverno:
Os enquadramentos deixam de diminuir a proporção dos personagens em tela, já que o importante agora é entender como a questão do contato humano afeta os personagens.
Já que os episódios são mais focados no caminho para a conclusão da série, ângulos fixos deixam de ser regra e viram exceção. Assim a câmera se movimenta mais vezes para dar o clima de tensão e ação necessário:
Assim, no quesito roteiro, o final de Mr. Robot pode deixar a desejar um pouco pelas pontas soltas que não foram resolvidas (e sim desviadas) e talvez pelo clímax um pouco frustrante. Porém o que torna a conclusão da série satisfatória é a sua reflexão quanto ao contato humano e as relações sociais. Algo enterrado no amago da série e que só conseguiu emergir na história graças a um texto maduro e aberto a possibilidades e uma fotografia poderosa que pôde conduzir o público até aqui.
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