“Noite no Paraíso” (2020) de Park Hoon-jung é um filme de gângsters um tanto convencional. Sua trama, seus personagens e até algumas situações pertencem a um imaginário cinematográfico envolvendo a máfia (em suas mais diversas representações) criado por gerações de diretores das mais diversas origens e países. Esta relação com um passado cinematográfico não é algo que o diretor nega. Pelo contrário, uma vez que a cena da sauna é uma clara releitura da cena do restaurante de “O Poderoso Chefão” do Coppola.
Na verdade, este momento gera consequências similares ao filme estadunidense. Assim como Michael (Al Pacino), Tae-Gu (Uhm Tae-goo) deve se refugiar em um local idílico — no caso do primeiro foge para Corleone, na Sicília, o segundo para a ilha de Jeju. Porém, este é apenas um exemplo dessa relação com o passado, algo que de maneira nenhuma é uma novidade no cinema contemporâneo. No entanto, o que torna “Noite no Paraíso” interessante é forma como estes elementos recorrentes nos filmes de gângsters são organizados e combinados com momentos dramáticos, criando uma tragédia criminal, se não inovadora, pelo menos curiosa.
Este “sempre ir adiante” da trama, parece não comportar os momentos de leveza ou de comunhão entre os dois personagens — sempre contrapostos a cenas de violência ou de negociações escusas. Entre estes e os momentos de melancolia ou violência não há qualquer diferenciação, aos olhos da câmera eles são equivalentes. Os dois protagonistas de “Noite no Paraíso” compartilham a tragédia de viver em meio a uma realidade cruel e a morte.
Se por um lado, no longa de Park Hoon-jung podemos notar a existência de personagens caricaturas como Sr. Yang (Park Ho-san), Sr. Ma () ou o capitão Park (Moon-sik Lee) — quase tipos que habitam esse imaginário —, por outro, há aqueles interpretados por Uhm Tae-goo e Jeon Yeo-been, que são dotados de alguma “individualidade” —, o que não só os diferencia, como também os distanciam daquele mundo ficcional. Desta forma, os dois apresentam algum traço de humanidade e individualidade, algo que é determinante para selar seus destinos.
A montagem é outro elemento que está em total consonância com o que é comumente feito no gênero — principalmente aqueles mais convencionais, seja feitos na Coreia do Sul seja aqueles dedicados a Tríade ou a Yakuza. No caso, o espaço e todo aquele universo é composto e recomposto por fragmentos e planos curtos que formam um todo — cada plano detêm em si um significado único, mas que não pode ser dissociado do outro. Dessa forma, cria-se uma sensação de constante movimento, que favorece as constantes mudanças na trama ou os jogos de oposições no interior nas próprias cenas.
A vingança final de Jae-Yeon (contém cenas fortes):
Mas afinal, o que quero dizer com tudo isso? De alguma maneira, seja intencional ou não, a agilidade e fragmentação da decupagem está em sintonia com uma “dispersão” narrativa, que nos leva constantemente de um “lado para outro”, além de nos fazer ter um conhecimento parcial de Tae Gu e Jae-Yeon e o seu microcosmo. Dessa forma, o que vemos, como ocorre em qualquer filme, é uma tentativa de transformar pedaços de imagens em movimento em algo coerente, que no caso é uma narrativa com um quê de dramático ou até mesmo trágico.
Este talvez seja um ponto que dá margem a uma reflexão acerca do quê, pra mim, torna “Noite no Paraíso” em um exemplar curioso do gênero. Acredito que esta intensão de Park Hoon-jung de conciliar elementos de drama ao ambiente do gangsterismo não há nada de novo, porém ao estar relacionada as escolhas formais do diretor dão margem a um breve exercício de reflexão.
Por exemplo, Tae Gu e Jae-Yeon, o filme parece tomar um procedimento contraditório, por um lado há uma tentativa de dotá-los de uma vida interior e certa profundidade, por outro, não nos é permitido de fato nos determos neles por um tempo necessário para capturar algo para além do que é visto. Contra essa lógica de imersão há uma força que age nos impossibilitando apreender os momentos em sua completude, algo que ressalta a fugacidade dos mesmos.
Aqui retorno a ideia de movimento constante, este “sempre ir adiante” da trama não comporta os momentos de leveza, melancólicos ou de comunhão entre os dois personagens, que sempre contrapostos a cenas de violência ou de negociações escusas. Entre estes e aqueles não há qualquer diferenciação na abordagem, aos olhos da câmera eles são equivalentes. Assim, a tragédia — de viver em meio a uma realidade cruel da qual eles não podem escapar e a certeza da morte — compartilhada entre os dois protagonistas de “Noite no Paraíso” se torna muito mais cruel, já que as engrenagens do destino (e da narrativa) não param.
Embora este filme de Park Hoon-jung esteja preso a muitas convenções — talvez em demasia —, também traz algo de interessante que diz respeito a relação entre a sua forma e sua narrativa. “Noite no Paraíso”, assim como esse texto, talvez não traga nada de novo ou de muito original, mas, pelo menos, serve como o esboço de algo. Um exercício, ainda que pouco focado, de chegar a algum lugar.
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