TATUAGEM

Um jovem de coração militar, tão comum nesses tempos mórbidos. Ele está sentado no apartamento apertado, onde se confina com sua família gigante. Faz um calor dos infernos, mesmo no inverno, porque estão todos presos e se esbarrando o dia inteiro. Os pais até saem, mas seguram o próprio negacionismo pela sua avó que ainda não querem que morra. O jovem passa a tarde estudando e disciplinando ainda mais o coração e todos os órgãos, querendo muito dar certo na vida, ter a vida dos sonhos numa casa direita que faça menos calor e onde possa beber cerveja o dia inteiro e pagar uma mulher para limpar suas coisas. Ele pensa que esse sonho é unicamente seu, como se riscasse todos os dias os outros nomes dos donos desse sonho e escrevesse o seu por cima, para ser merecedor desse sucesso. Mesmo que sinta que merecer qualquer coisa boa já seria algo surpreendente e extraordinário. Toda noite se masturba assim pensando muito no futuro, na casa dos sonhos e na paz, nem pensa tanto nas moças, se excita mais com a possibilidade de ser amado facilmente, dizendo pouco e ganhando muitos carinhos em troca. Sonhava com gargantas profundas feitas para engolir tudo, onde ele pudesse meter todo o pau que ainda iria ter. Sonhava com as mãos roboticamente ágeis que subiriam e desceriam perfeitamente equipadas para fazer o que nem mesmo suas próprias mãos sabiam fazer. Mas quando acontecia desses pensamentos não levantarem o pau o suficiente, corria para a pornografia para nem precisar pensar em nada, para quase desligar a cabeça e só despertar com a porra jorrando na barriga e limpar com um pedaço de papel. Como se fosse essa coisa também suja, também indevida. O ideal, acreditava, era nem ver a própria porra. Era depositar logo em algum lugar dentro de alguém e assim transar ficando limpo.

Foi quando um dia, totalmente desprevenido, entrou num link errado. Entrou assim num site que dizia: “VENHA VER TODA PUTARIA IMPOSSÍVEL”. Era uma transmissão ao vivo em um palco improvisado com fundo feito um céu estrelado de luzes pisca-pisca. Logo na abertura, moças entraram cantando e sacudindo peitos, purpurinadas e com máscaras tapando bocas e narizes. Não podia ver seus rostos e isso parecia ainda mais delicioso. Em seguida chegaram também rapazes, todos coloridos, com sungas finas e brilhantes. Declamavam poemas e as vozes pareciam se misturar todas, não sabia mais dizer o gênero da voz ou de quem era a boca que saia cada coisa. Eram vozes sem boca fazendo um coro animado com todas as palavras sacanas que o rapaz nunca tinha ouvido na vida. As mãos dançavam, depois passavam álcool gel nas bundas brancas, negras e amarelas. Depois apertavam os mamilos redondos, gordos, magros, escuros ou claros. Soltavam gritinhos agudos quase que coreografados. Uma espécie de circo ia se armando, uma espécie de encantaria e o rapaz sem nem perceber soltava risadinhas e ia chegando perto assim da tela, hipnotizado. Então aqueles corpos faziam perguntas, diziam: “Se não temos mais bocas, podemos amar com dedos higienizados?” e metiam os dedos nos cus. “Mas o álcool arde, papi!” gritava alguém e saia correndo pro outro lado. E depois diziam versos que o rapaz não conseguia entender. Mas o pau do rapaz na calça começava a se agitar, também encantado de alguma forma com a confusão danada daquelas pessoas estranhas da tela. Até que aparece, no meio das pessoas, uma em especial. Um corpo forte, másculo, parecido com o corpo que o rapaz queria ter, mas com uma enorme saia de brilhantes, uma saia que era como se tivesse sido roubada de uma estrela de cinema. A saia tomava todo o chão, longa e escorrida e todas as outras pessoas saíram correndo do palco para deixar aquele homem falar sozinho com sua beleza.

O homem sentou assim, cruzando as pernas. O rapaz mal conseguia respirar. O homem mexia nos próprios cabelos cacheados, parecia ser o homem mais forte com as mãos mais doces do mundo. Então o homem sozinho, no meio do palco virtual, tira sua máscara e revela a boca, com seus lábios carnudos cintilantes. Os lábios do homem se movem como se beijassem o ar, como se pudessem falar e beijar ao mesmo tempo. Como se pudessem quase beijar as orelhas de quem ouve, apesar da tela. Beijava, talvez sem querer, as orelhas daquele rapaz militar que quase babava diante do homem. Que arregaçava assim o peito e as ideias para aquela imagem doce. O homem, de repente, olha para a câmera, para o fundo dos olhos da câmera e começa a cantar. Sua voz é serena, um canto de sereia, parece mover o rapaz entre o tesão e o sonho. Parece conseguir habitá-lo. Nunca quis tanto um homem, parecia amá-lo mais do que poderia amar seu pai, mais do que poderia amar até as mulheres dos seus sonhos. Queria que ele lhe pegasse no colo e cantasse dentro da sua boca. Que brilhasse assim onde suas mãos pudessem tocá-lo. Queria tocá-lo. Deixaria aquele homem ficar deitado assim brilhando sem fazer nada e poderia fazer tudo por ele. Aquela excitação era muito diferente de toda a excitação que já tinha sentido. Imaginava o homem deitado em sua cama, gracioso. Imaginava abrir o fecho daquela saia com a língua e puxar devagarinho os metros e metros de tecido revelando as pernas peludas, revelando as coxas grossas, revelando o pau luminoso. Pensava que beijar a barriga daquela estrela era como beijar a estátua de um santo e, no mesmo instante, se corrigia: era mais do que isso, era beijar um astro. Se via com a boca no umbigo celeste enquanto o homem ainda cantava. Na sua cabeça, aquele homem sempre cantava e cantaria sempre. Cantaria enquanto descia a boca até o seu pau e cantaria enquanto o garoto chupa seu pau, centímetro por centímetro. Chupando querendo mesmo desconcertar o canto, sabendo que seria impossível. Um garoto nunca desconcerta um homem, apesar de todo o esforço? O homem sempre iria desconcertar o garoto? Queria mostrar que estava desconcertado. Mostrar seus mamilos tímidos, sua barriga magra, sua boca ingênua, seus dedos calejados e seu pau torto de tanta punheta no seco do seu quarto. Queria saber se o homem gostaria da sua bunda apertada, do seu cu nunca lambido, mas já visitado por um ou dois dedos curiosos. Dizer que mesmo sem saber como era possível, o seu cu já latejava pelo pau do homem e sua língua já esboçava perguntar grudada no ouvido: “Quer meter?”. Poderia meter tudo nele, o garoto nunca se sentiu tão forte. Tão forte que até seguraria o homem pelos cabelos e até lhe diria um verso de poesia que nunca conheceu, porque essa é a força que estava descobrindo em si mesmo. Esse era o tamanho do sonho que crescia entre suas pernas. Descobria que tinha disciplina para desaprender tudo e fazer jus àquele amor estranho, que poderia aprender algum instrumento da noite pro dia, ou aprender a dançar ou só descobrir como chupar um caralho maravilhosamente bem, como colocar ele inteiro dentro da boca e aceitar ser o melhor buraco para o melhor homem do mundo. Só queria poder acompanhar aquele corpo, aquela voz, aquela presença que continuava para lá da tela com as pernas cruzadas fazendo o público suspirar.

Então, um sorriso se esboça no canto dos lábios daquele homem estrela. Uma mágica coincidência ou, talvez, o homem saiba, aquele homem deveria saber de tudo. Ao reparar no sorriso, o garoto pensa que vai morrer de tanto que corre o seu coração. Pensa que vai morrer de tão duro e sedento que seu pau fica dentro da cueca. Decide tirar peça por peça no ritmo que canta a voz do seu astro. Primeiro tira a camisa, o homem treme as mãos no microfone. Pela primeira vez o rapaz passa os dedos doces pelo próprio pescoço, sente que tem o melhor pescoço que um garoto poderia oferecer. O homem espelha seu gesto e ergue os cabelos cacheados, começa um canto que é quase um gemido. O rapaz vai descendo o dedo até passar pelos próprios mamilos. O homem canta ais e uis e as notas são como lambidas quentes, como uma língua áspera que vai da nuca até a beira da calça. O rapaz abaixa as calças, o homem canta ainda mais baixo colado no microfone. O garoto delira, puxa o caralho pra fora. O homem se anima, descruza as pernas. O rapaz senta na cadeira como se roçasse a bunda nas coxas do homem. Fecha os olhos, toca no próprio pau como tocaria nele, como se o seu pau fosse a coisa mais magnífica do mundo, como se fosse a atração do circo, como se aquela punheta deixasse a plateia muda. Um instrumental entra alto, ele abre os olhos e o homem na tela dança levantando e abaixando a saia. Ele está se dando também, calado também. O garoto entra em sintonia, como se o homem lhe ensinasse a dançar a melhor punheta possível. Vai batendo uma, segurando para não explodir, segurando para ter graciosidade ainda que suando cada vez mais. O homem suando e girando, também, cada vez mais. A saia se agita e o refletor faz ondas prateadas envolverem o cantor. O garoto está prestes a gozar com os olhos cheios de lágrimas. Aquele homem parece querer se banhar na sua porra. Gozar é como chover ondas prateadas e ele goza, jorra o mar na própria barriga. O homem torna a cantar meloso, um canto melado de porra. É lindo. O rapaz chora e treme. O homem canta como que para afagar os seus cabelos: “Eu quero te contar das chuvas que apanhei, das noites que varei no escuro a te buscar. Eu quero te mostrar as marcas que ganhei nas lutas contra o rei, nas discussões com Deus.” O garoto ainda não está pronto, sente a luz baixando. Não quer que o show acabe nunca. Pede para que aquele show não acabe nunca. Lembra-se do cu, no meio daquele escuro. Vira a bunda para a tela, empina a bunda na cadeira. Antes do fim, o rapaz precisa ser comido. Sussurra: “Me coma antes de ir embora”.

Uma fanfarra entra no palco, tudo se acende subitamente. Todes voltam pro palco para cantar, como que para a bunda do rapaz. O homem fica no centro para reger a cantoria. Um canto com todas as línguas do mundo, uma dança de mil dedos. O rapaz abre a bunda com as duas mãos e mete o dedo devagar. A música toca mais alto. E depois, mete outro dedo. O homem berrando. E depois, outro dedo. Gritos e risadas. Entra e sai do cu com gosto. O homem começa a declamar uma poesia no meio da música, ou talvez uma espécie deliciosa de manifesto: “A ÚNICA COISA QUE NOS SALVA”, diz ele, “A ÚNICA COISA QUE NOS UNE É A UTOPIA DO CU”. Não para por aí, segue falando por cima da cantoria, quase como se falasse com o cu do garoto. Cada palavra que o homem diz é como uma metida funda na sua bunda. Ele entoa: “Tem cu, tem cu, tem cu”. Cada metida funda parece salvar seu coração. “Tem cu, tem cu, tem cu”. Alguém bate na porta, mas ele não escuta. “Tem cu, tem cu, tem cu”. Está de olhos fechados, aquele é o último ato. “Tem cu, tem cu, tem cu”. Está no verdadeiro mundo dos sonhos. “Tem cu, tem cu, tem cu”. A porta se abre, a família olha horrorizada. “Tem cu, tem cu, tem cu”. Mas nada mais importa, pois antes de abrir os olhos, o cu do rapaz é o cu mais feliz do mundo.

Ilustradora convidada:

Laura Pinheiro

Laura Pinheiro, designer gráfica, amante de impressoras e de scanners. Utilizo de processos de design para desenvolver minhas expressões.

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Julia Limp
Julia Limp
É artista multifacetada. Tem casa no teatro, onde está em formação, mas já trabalha profissionalmente precocemente como atriz e diretora. Tem quintal na música, onde canta, compõe e tem algumas coisas já gravadas e crescendo em direção ao mundo. Mas fez cama na palavra, com quem se deita e tece prosa, cada vez mais perigosa e úmida. É muito surto e muito afeto, trabalha com muito tesão e às vezes com raiva. Pode morder, mas esperamos que só de sacanagem.

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