Nirvana

Alcançar o Nirvana é uma das tarefas mais árduas no Universo, mas tem para vender na Amazon, corre lá!

“Venha como você é” afinal “nasceu para ser selvagem”.

O que essas duas músicas tem a ver?

Bem, “Born to be wild” é do grupo “Steppnewolf”, que é justamente o nome do livro do Herman Hesse,  “O lobo da estepe”.  Herman Hesse, que também escreveu “Sidharta”, a história de Gautama Buda, que buscava o “Nirvana”, que é o grupo que canta “Come as you are”. Ufa!
E o que isso tem a ver com a resenha? “Om”, senta e relaxa!

“Nirvana”, de Marcelo Nunes, não cheira como um espírito adolescente, muito pelo contrário. (Juro que é a última comparação musical que faço nessa resenha.)

Trata-se de um romance de formação, ou seja, acompanha um personagem ao longo das fases de sua vida.

Arthur Balan é o protagonista narrador. E estamos diante de um diário romance autobiográfico. Um sujeito que está em fase terminal e revisita toda sua vida. Imagine um “A morte de Ivan Ilitch” só que mais longo, mais completo. Imaginou? Não, claro que não, né? Não sei porque ainda me dou ao trabalho…

Bom, Balan é filho de um casal romeno. Perdeu o pai muito cedo, atropelado, (viu como o ranzinza do Camus tinha razão ao falar do trânsito brasileiro?). Diana, sua mãe, uma figura fascinante. Melancólica, misteriosa, de poucas demonstrações de carinho, porém, afetiva ao seu próprio modo, e que também tem uma morte trágica. Ocorre que Diana, vejam só, vira personagem do livro de Balan, que é jornalista, tradutor e autor. (Eu amo escritores escrevendo sobre escritores, que escrevem sobre escritores… nessa matrioska literária deliciosa e infernal).

Assim, o autor narrador vai alternando reminiscências de sua vida com descrições do seu estado. A dor e agonia hodierna dos remédios misturada aos episódios do passado.

“Como eu disse no começo desse meu relato o fato de estar morrendo roubou meu futuro e o meu presente, e me deixou apenas com o meu passado” –

E o Marcelo – não o Balan – faz com que esse protagonista comum, que não tem nada de muito extraordinário, se torne magnético, empolgante, em especial pelo fluxo de consciência muito bem elaborado. Conhecemos seus amores e seus dissabores. Em determinado momento, sentamos ao seu lado no primeiro encontro com Eneida, uma situação até clichê da uma leitora que encontra o autor, saca? Mas a vida é cheia de clichês e essa frase é um clichê. E eu escrevendo que essa frase é um clichê é o ápice do clichê. Bom, eu poderia ficar aqui para sempre, e dizer isso também é um clichê. Enfim, saí de uma matrioska literária para entrar em um paradoxo do clichê. O que importa é que, na verdade, trata-se de uma passagem muito bem escrita. Por sinal, um estopim escolhido com precisão.

Enfim, nós acompanhamos a primeira e a derradeira paixão. A possível e a impossível. A morna e a tórrida, e isso não é um soneto de Camões, juro. Por gim. Digo, por fim, desculpe-me, força do hábito, observamos e sentimos aquela que foi sua derrocada emocional. Todas exageradamente reais e tangíveis, mérito incontestável do autor.

O livro é recheado de ótimas referências e citações. O próprio narrador brinca com esse traço marcante da escrita. Você tropeça em uma página e caem três máximas no seu colo. Se embrenha em um parágrafo e recebe mais duas. No entanto, tudo isso sem qualquer movimento de pedantismo, mas sim com o claro intuito de compor a personalidade do protagonista. Particularmente, sou apaixonado por citações, um louco dos aforismos, maníaco das referências, em especial pelas quais não conheço e tenho que correr atrás feito um idiota trôpego cheio de boas intenções. Sim, admito que gosto desse caça ao tesouro de amantes da literatura. Caso contrário estaria lendo Harry Potter, A cabana, Dan Brown ou quaisquer outras obviedades encadernadas.

Outro ponto bem aproveitado é que Balan conversa com o leitor, mas sem interromper muito sua narrativa, sem excessos, em suma, sem ser chato. Outro ponto que merece destaque é o fato de que mesmo sendo um romance longo, onde a tendência é deixar a peteca cair em algum momento, ou seja, perder a força narrativa em diminutos vãos da trama, aqui não, o personagem não deixa de ser espirituoso em nenhum momento.

O livro é repleto de filosofia; surra de Schopenhauer, mas sem ser didático, como uma onda, uma onda no mar de Heráclito; há um apanhado incrível de considerações sobre a morte, ou melhor, sobre o pós morte;. demonstra os contrastes filosóficos, em uma dialética suave; analisando os aspectos mais fatalistas da existência. Nesse último sentido, lembrou-me do genial  “O Homem Comum” do Phillip Roth. Outrossim, traz reflexões que tiram o leitor estagnado do lugar, como a questão do direito de dispor da própria vida. Sim, porque a grande verdade é que o homem em sociedade não tem direitos plenos,  nossa própria vida é tutelada de forma implacável, quando convém, por óbvio.

Notem o caso do Alain Delon, implorando pelo fim da vida! Deixo aqui um “salve” para o Doutor Kevorkian. Sou fã do Doutor Kevorkian e do Padre Júlio Lancelloti, cada um na sua linha de trabalho.

Ao final (sem revelações, claro, não sou um idiota completo, sou um idiota fracionado) cabe somente ao leitor sentir angústia ou alívio. Para uns, um desfecho reconfortante, para outros, perturbador. Arremata tudo com uma peça de teatro meio surreal, que serve de epílogo para o personagem, para o livro, para tudo. Eu, por minha vez, continuo esperando Godot, ou Gonet, vá saber.

Dr. Kevorkian, um amor de pessoa.

Avaliação:
Muitos tapinhas nas costas, na bunda e, principalmente, em sua imensa cabeça magnífica que de nada tem de enfeite, leitor.

* * *

Título: Nirvana
Autor: Marcelo Nunes
Editora: Sendas Edições
Ano: 2021

Compre o livro de Marcelo

Siga o TREVOUS ⚡️ nas redes sociais: InstagramTwitter e Facebook.
Artigo anterior
Rafael Sollberg
Rafael Sollberg
Rafael Gondim D`Halvor Sollberg tem nome de príncipe escandinavo, mas é plebeu latino-americano até a raiz dos ossos. Antinatural em qualquer lugar, embora nascido no Rio de Janeiro, é um sociopata com consciência social, ateu pouco convicto, escritor moderado e leitor radical. Integrante proscrito do Podcast “Esculachos Cacofônicos” e vídeo-resenhista de clássicos clandestinos da literatura nacional no Canal do Youtube: “Adorei! Nota 2.”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui