Saindo do terror altamente contemporâneo de Hereditário, caímos agora em um drama adulto pautado pelas relações amorosas em uma Londres solitária: Closer. Peço permissão para incluir o subtítulo brasileiro: Perto Demais. Acho que dá uma força e potencializa a história. A proximidade entre os seres gera a exposição dos sentimentos e nos torna vulneráveis.
Primeiro de tudo, já vamos entrar no clima colocando essa música do Damien Rice, The Blower’s Daughter, pra tocar, que ficou eternamente atrelada ao filme. A música também foi responsável por divulgar mundialmente este cantor maravilhoso de indie folk rock irlandês. Seu primeiro álbum O, de 2002, foi um grande sucesso e marcou uma geração com sua voz doce e profunda que atinge nosso subconsciente emocional.
A música teve um grande êxito no Brasil e no mundo, principalmente por causa desse filme. Aqui ganhou uma versão em um dueto estrondoso de Ana Carolina & Seu Jorge.
Como dito no vídeo, na cena da exposição das fotos de Ana, personagem de Julia Roberts, a música que toca ao fundo é Samba da Benção, canção escrita em 1967 por Vinícius de Moraes, grande poeta brasileiro. O clipe abaixo foi gravado na Pedra do Arpoador, outro grande símbolo do estado do Rio de Janeiro, berço da bossa nova e de uma construção imagética de Brasil que perpetua até os dias de hoje e se faz presente na cena do filme de 2004.
Voltando ao filme, o diretor de Closer, Mike Nichols também é responsável e pelos premiados filmes A Primeira Noite de um Homem e Quem Tem Medo de Virginia Wolf?. Este último também é uma adaptação de uma importante peça teatral, desta vez de Edward Albee. Virou filme em 1966 com Elizabeth Taylor e é reconhecido como uma importante trama de confinamento, onde os personagens permanecem todos no mesmo cenário, expostos aos seus próprios traumas e dilemas existenciais. Mike nos mostra como é habituado a textos teatrais, na maneira que respeita a obra original e dirige seus atores com autonomia e segurança.
A grande diferença básica entre teatro e cinema é o diálogo. No teatro, a arte do ator e do texto, o que vale é o diálogo. Pode ser farsesco, anti-naturalista, poético, em verso ou até altamente lúdico. A criação de imagens é transferida para a mente do espectador, algo que no cinema não é muito bem-vindo. Na sétima arte, o desejável é sempre substituir texto por ações dos personagens ou imagens. Longos silêncios e dizer apenas o essencial também são conselhos dignos dos manuais de roteiro para novos escritores.
O cinema é a arte do diretor. É ele quem conceitua, cria uma imagem e tem a palavra final. Até mesmo na edição, que é a última forma de escrita, pode ser também alterada pela direção. No teatro, não. É a arte do aqui e agora, o ator é quem manda. É ele quem dá o tempo, quem dá a deixa e que dita o ritmo do espetáculo. Nesta adaptação de Closer, a palavra teatral ainda é muito respeitada. Não há grandes marcas cênicas, ou técnica evidente. Neste filme, as coisas que importam são: o ator e o texto. O resto está lá para servi-los, não para acrescentar novas informações ou para guiar a ação. É pelo diálogo que eles estarão desnudados e ficarão perto demais do público.
O filme também pode ser correlacionado com a análise do filósofo Zygmunt Buman, que em 2004 lançou o livro Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, onde disserta sobre o comportamento das relações amorosas da contemporaneidade. Ele teoriza que as relações de hoje são líquidas, que não se busca a solidez. Nada pode ser rígido o suficiente a ponto que seja difícil de ser alterado. As relações duram até quando derem prazer e satisfação a nós mesmos, e assim, quando não nos interessar mais, as descartaremos. Tudo parte da mesma lógica da sociedade de consumo. Aqui temos uma entrevista com Bauman, explicando sua visão de mundo para caracterizar os novos tempos.
Então é isso! Abaixo eu coloco o trailer do filme pra vocês verem! Lembrando que Closer está disponível na Globoplay!
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Amo muitoo esse filme! Um dos meus preferidos da vida. A cena mais perfeita é uma próxima do fim quando, num quarto de hotel, prestes a se mudar de país, a personagem interpretada por Natalie Portaman percebe o fim. Ela olha para o homem que mais amou e que foi terrivelmente traída e diz: eu não te amo mais. “Desde de quando? Desde agora.” Ela é muito sintética de como nos damos conta dos nossos sentimentos. Closer é foda demais!