O Português Tomou no Cool

Ilustrador convidado: Anderson Maní

A ligação virou call, o encontro virou date, o do contra virou hipster e até a comemoração, que virou uhuuul, nada mais é que um derivado do americano wohooo. Você chega no bar querendo se divertir com seus amigos (todos brasileiros) e a cartela que te oferecem é a de drinks, que, quando traduzida, é no máximo “drinques”. Tadinha da birita, que ficou nos anos 80 e hoje só dá as caras nas dublagens de filmes da Sessão da Tarde.

Sobrou até para o bafafá e para o babado, que, apesar de barraqueiros, foram dizimados quando o Twitter lançou o termo “trending topic”. Pelo menos a prima deles, a treta, segue firme fazendo a redenção de toda sua família etimológica que capenga cada dia mais. Inclusive a palavra capenga já capengou. Hoje o ideal acho que seria “retrô”. Ou retrô seria retrô demais para ser a versão cool de capenga?

A questão é que infelizmente cada vez mais as palavras que entram na moda são em inglês. O que vira fashion é em inglês. E português acaba ficando old school. E esse viralatismo linguístico nem é da nossa geração.

Nos tempos da minha vó o chique era falar “chic”, em francês. A segunda língua dela foi o francês. Mas, em algum momento da história, a chiqueza francesa foi guilhotinada e a língua se defasou. O “Restaurant”, como ela dizia, deu espaço ao Pit Dog.

E acho que boa parte disso vem da supremacia tecnológica do Tio Sam. Eles inventam softwares e streamings, mandam para cá e nós não temos nem a decência de traduzir para algo mais cotidiano. Quem não fala inglês, toma no cool.

Você sabia que até o “oxe”, símbolo da cultura nordestina junto da Ivete e do Lampião, é um derivado de “oxente”, que por sua vez vem de “oh shit”? Com as guerras pela dominação de Pernambuco, soldados ingleses lutaram ao lado dos soldados da região e, quando tinham problema, reclamavam “oh shit”, que logo foi incorporado pelo povo e se fundiu à cultura local.

Assim como o forró, que veio da mesma época. A ideia era fazer música para todos ali dançarem. Holandeses, ingleses, nordestinos. Música For All… Forr all… forr óu… No fim virou forró — e de fato todos dançaram.

Mas pensando aqui, talvez a língua portuguesa mereça ser desvalorizada mesmo. Ela é cheia de acentos estranhos (descanse em paz trema) e com nuances que a gente nem sabe explicar. Por que “alguma coisa” significa “algo” e “coisa alguma” significa “nada”? Por que “já” significa “agora mesmo” e “já já” quer dizer “daqui a pouco”?

E nessa ladeira-abaixo-léxica, vamos criando moda dentro das próprias palavras em inglês. Antes era top falar top. O que hoje em dia é considerado cafona. Mas coitada da palavra cafona, que por si só já é cafona há muito tempo, enquanto outras expressões americanizadas são eternamente vips, termo que veio do inglês “very important palavras”.

Talvez devamos mudar Lampião para Big Lamp. Se não, conforme o tempo avança, capaz que ainda é game over para o nosso amado-e-terrível cangaceiro. E junto dele, bye bye para o que nos resta enquanto cultura. Make portuguese great again, motherfuckers!

* * *

Ilustrador convidado:

Anderson Maní

 

Anderson “Maní” Martins, 35 anos. Paulistano formado em comunicação social e ilustrador desde o berço. O desenho sempre esteve presente em minha vida. Criança tímida, nas folhas em branco, e no colorido das tintas, construía vários mundos e me permitia viver grandes aventuras.

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Gustavo Palmeira
Gustavo Palmeira
Estudou em colégio de padres, era 90% sexy no Orkut, mas hoje infelizmente, alem de roteirista, se apega fácil a qualquer um que der moral no Tinder.

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