Para Nóias & Para Grafos

Ilustradora convidada: Gabrielly Rosário

O português às vezes pode ser uma língua muito imprecisa. Um dia disseram no trabalho que eu era como uma avalanche. E, apesar do tom amigável que veio junto àquela comparação, não tinha certeza se era um elogio. Muito menos se era uma ofensa. Como as pessoas conseguem ser tão inexatas?

Sentado no ônibus voltando para casa (no antigo normal), olhava para a janela e refletia sobre tudo o que uma avalanche poderia significar. “Uma avalanche nada mais é que um monte de flocos de neve aglomerados”, pensava. Vale ressaltar que a palavra “aglomerados” ainda não era tão pejorativa.

E um floco de neve é lindo de se ver. Tem um formato único e curioso. É bom. Mas a avalanche… Ela é destrutiva, é fria demais. Ninguém quer uma avalanche por perto. Ela é como se fosse um rio congelado (ou seria mais uma cachoeira?).

Nessas horas dá inveja da língua escocesa que possui 412 palavras para neve, superando os esquimós que possuem “só” 50. Quem diria que morar num país tropical teria desvantagens linguísticas. Não tem como confiar num idioma que a frase “não tenha clemência” tem o significado oposto de “não, tenha clemência”. É poder demais para uma mísera vírgula.

Outra prova cabal dessas esquizofrenias sintáticas do português é a expressão “empolgado”, que é um termo que pode ser usado tanto para o bem, quanto para o mal. Se você falar em tom áspero que uma pessoa é “empolgada”, quer dizer que ela é sem noção, mas, com nuances de alegria, é um super elogio, a pessoa é alto-astral.

A mesma palavra, duas verdades muito diferentes. Se bem que isso é até natural né? Uma gota d’água tem esse mesmo esquema: um pouco pode até ser agradável, mas, em grande quantidade, consegue te afogar. Talvez a língua portuguesa só esteja se adaptando às irregularidades do mundo. Mar calmo nunca fez bom alfabeto.

E o ditado afirma que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Mas, no meu caso, foi neve fria em cabeça dura tanto bate até que pira. Os dias que se decorreram foram de intensa análise.

Na terça-feira, falei demais na hora do cafezinho com os colegas. Pensei que poderia estar “empurrando” uma massa de informação neles. Avalanche. Na quinta, falei de menos. Talvez estivesse sendo gelado, sem vida. Não que ficar quieto é necessariamente ruim, mas, quando se é uma avalanche, você tem que ficar atento.

Fiquei sofrendo com o que aquilo queria dizer por mais uns 10 dias e cheguei à seguinte lista: frio, insuportável, grandioso, raro, avassalador, incontrolável, interessante, gelado, exótico e magnífico. Então, depois de todos esses dias pensando, encarei o medo do pejorativo e decidi perguntar à minha colega de trabalho o que ela queria dizer com aquela maldita expressão.

— Nem lembro. Ela me respondeu.

Até hoje morro um pouco por dentro quando me lembro dessa história.

* * *

Ilustradora convidada:

Gabrielly Rosário

 

Desenhista digital e tradicional, apaixonada pela expressão artística. Futura estudante de artes visuais e completamente fascinada em teatro, quadrinhos e histórias de fantasia. Amo assistir animações e de vez em quando até faço algumas. Pretendo trabalhar com arte e viver dela, em diversas áreas durante minha vida e as texturas e cores vibrantes são as características que mais me encantam num desenho. 🙂

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Gustavo Palmeira
Estudou em colégio de padres, era 90% sexy no Orkut, mas hoje infelizmente, alem de roteirista, se apega fácil a qualquer um que der moral no Tinder.

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