Batendo a Meta Linguística

Ilustradora convidada: Milena Fernandes

Todo trabalhador tem suas metas para bater. E, como nós brasileiros bem sabemos, muitas vezes elas batem de volta. Na cara. Principalmente porque, no geral, quem as define não é quem tem que alcançá-las. Por exemplo, no meu caso, quando escrevo um texto aqui para o Jornal, eu tenho uma meta a bater: são 2.700 caracteres por crônica.

Ou seja, a cada texto, tenho que expressar a minha ideia com, no mínimo, 2.700 toques no teclado. E o caminho para alcançar essa meta linguística às vezes fica especialmente difícil para mim, que tanto gosto da compacidade da comunicação dos nossos tempos (leia-se viciado em memes da Gretchen). E muita gente achava que arte não dava trabalho né? Nem tudo é quadro abstrato, meus amigos.

Mas aí, quando me falta a criatividade para encontrar os 1.800 caracteres faltantes, deixo o texto de molho por alguns dias e vou amadurecendo o assunto na minha cabeça. Peço ajuda aos amigos, faço uns esboços, macumbas, despachos… Procuro memes que se encaixam no tema (você quer referências, @?) E, quando vejo, faltam só 1.626. “Só”.

Porém, aqui na casa dos 979 toques, eu devo fazer uma confissão: nem sempre fui capaz de atingir a determinação numeral estabelecida pelos meus amados contratantes. Juro que tento ser um funcionário exemplar e arrasar mais a cada texto, mas, infelizmente, algumas vezes me faltaram as piadas para chegar nos benditos 2.700. Não é sempre que dá para falar do silicone da minha mãe.

Das 22 crônicas que já publiquei aqui, 2 ou 3 estavam abaixo do requerido. O que não-é-péssimo-mas-também-não-é-bom , sabe? Então, quando chego nos 1.700 toques como agora e preciso de motivação nessa reta final da jornada etimológica, paro e lembro da beleza em ter metas.

Pois, se metas eu tenho é porque alguém confia na minha capacidade de cumpri-las. Logo, valorizar o combinado dos caracteres nada mais é que valorizar quem me valoriza. É quase aristotélico! E, por isso, acabo fazendo de tudo para prover os 565 toques que ainda faltam. Nem que às vezes eu tenha que encher linguiça para isso.

Inclusive, você sabia que a origem da expressão encher linguiça vem do Brasil Colonial? Ela só ganhou esse significado de “enrolação” muito depois. Antes, o sentido dela era mais literal: as pessoas queriam servir linguiça na refeição, mas só tinham tripas e carnes ruins, daí pegavam elas e enchiam a linguiça na intenção de parecer que fosse um alimento mais “chique”.

E assim, com a ajuda da metalinguagem suína do parágrafo acima, vou chegando aos tão sonhados 2.700 caracteres e, mais uma vez, com muito orgulho, consigo bater a meta. Então, agora que nos aproximamos do fatídico e inevitável fim, confiro que já estamos nos 2.836 toques. Quem diria que no final das contas eu ainda iria além, hein?

Quando eu nasci
Meus pais esperavam um sócio
No ócio
Do Country Clube
Onde eu cresci
Queriam que a gente gastasse
E com gosto
Carros comprasse
A cada ano um novo

Quando eu nasci
Meus pais esperavam um sócio
No ócio
Do Country Clube
Onde eu cresci
Queriam que a gente gastasse
E com gosto
Carros comprasse
A cada ano um novo

Aos cacos
Posso ser o seu Tiago Iorc
Se a mídia me escolhe que sorte
Para o clubinho eu entro
E sento
Numa mesa com outros famosos
E aguento
Uma vida sem graça
Qual é a graça
Eu posso fazer
Um beat Cafoninha
Sem cacofonia
Com tudo encaixadinho pra geral se amarrar
Eu posso fazer
Mais academia
Ter 8 gominhos
E o que mais

* * *

Ilustradora convidada:

Milena Fernandes

 

Milena Fernandes, 22 anos. Residente do Rio de Janeiro, formada em administração e aspirante a designer e ilustradora. Me inserindo no mercado de design gráfico e me descobrindo no mundo do desenho digital, me reencontrei na arte, com a qual sempre tive uma conexão muito particular.

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Gustavo Palmeira
Gustavo Palmeira
Estudou em colégio de padres, era 90% sexy no Orkut, mas hoje infelizmente, alem de roteirista, se apega fácil a qualquer um que der moral no Tinder.

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