Parasita e as atrocidades do capitalismo

Há um pouco mais de um ano, um pouquinho antes da nossa vida virar um inferno por conta desse micróbio insuportável, o filme Parasita recebeu quatro estatuetas do Oscar. Fez história ganhando o prêmio máximo do Academy Awardso primeiro de língua não inglesa a levar a categoria de melhor filme. Ganhou também uma série de outros prêmios internacionais. Faltaria até caracteres para escrever todos eles aqui.

Do lado de cá, ficamos nos perguntando: como a obra do diretor Bong Joon-ho fez tanto sucesso? como conseguiu desbancar grandes produções hollywoodianas com diretores consagrados como Martin Scorsese? Bem, essa é uma resposta fácil. E um tanto complexa. Coloco aqui o ponto de vista de uma jovem cineasta e de uma já experiente pesquisadora do meio urbano, em especial de questões ligadas a moradia social.

Para mim, Parasita é uma aula de cinema em diversos sentidos. A narrativa é primorosa, com pontos de virada emocionantes e cheia de suspense. O compasso dos atos é bem definido a partir dos conflitos que vão acontecendo. Nada se arrasta. Todas as cenas têm muita informação para ser apreendida. O desfecho é terrível, violento, aberto e, ao mesmo tempo, sarcástico. Faz uma grande piada com a ideia de meritocracia no qual estamos todos iludidos e mergulhados.

A forma como os cenários e a fotografia do filme reverencia quem está em cima e quem está embaixo – quem é rico, quem é pobre – cria uma imagética expressiva do que é contado. Como obra cinematográfica, o filme é realmente impecável em diversas dimensões. As conexões entre três tramas – a da família Kim, dos Park e da governanta e marido – através de diversos elementos repetitivos são memoráveis. Porão, desemprego, pedra, cheiro e faca fazem os personagens avançar no tabuleiro até o cheque mate.

Residência onde vive a família Park
Porão onde vive a família Kim

Além de obra fílmica de expressiva qualidade, Parasita é um retrato fiel da sociedade contemporânea. Das diversas controvérsias do mundo capitalista. Vivemos a era da tecnologia, da comunicação. Os smartphones mudaram nossa vida, facilitando nosso cotidiano. Você, provavelmente, me lê agora por um. Mesmo diante de tantas inovações, muitos não tem o mínimo para viver. Precisam morar em favelas, assentamentos precários e porões. A dificuldade de acesso à moradia com condições mínimas de habitabilidade é um problema em escala global. A família Kim e a da governanta contam exatamente a história dessa precariedade.

O sociólogo O sociólogo Ulrich Beck, falecido em 2015, descreve a sociedade desses tempos estranhos como sociedade de risco. Embora o avanço da industrialização e do capitalismo tenha trazido ganhos, também tem implicado riscos a existência humana nesse planeta. Entre elas: a degradação do meio ambiente, o aumento da pobreza, a crise habitacional, a dificuldade de acesso a emprego e renda e um monte de coisa mais. Se pensarmos na própria escalada do fascismo e a eleição de presidentes genocidas, estamos falando dos efeitos do mesmo processo. A tecnologia da informação tem metamorfoseado o mundo de acordo com Ulrich Beck. , falecido em 2015, descreve a sociedade desses tempos estranhos como sociedade de risco. Embora o avanço da industrialização e do capitalismo tenha trazido ganhos, também tem implicado riscos a existência humana nesse planeta. Entre elas: a degradação do meio ambiente, o aumento da pobreza, a crise habitacional, a dificuldade de acesso a emprego e renda e um monte de coisa mais. Se pensarmos na própria escalada do fascismo e a eleição de presidentes genocidas, estamos falando dos efeitos do mesmo processo. A tecnologia da informação tem metamorfoseado o mundo de acordo com Ulrich Beck.

Antes de tramar para família Park, os Kim dobravam caixas de pizza

Parasita apresenta os impactos da sociedade de risco. Enquanto expectadores, refletimos sobre as consequências de vivermos nela. Por isso, o filme é um tratado contemporâneo do mundo onde o capitalismo têm prosperado. Com o avanço desse sistema predatório, a vida humana e a ética tem perdido o valor. O próprio título do filme é simbólico. Parasita é um organismo que se hospeda em outro organismo para sugar nutrientes e viver. Nesse mundo e também no filme, quem é o parasita de quem? Quem é o grande parasita desse planeta?

Buscando estratégias de sobrevivência num mundo onde impera o dinheiro, ao assistir o filme nos surgem algumas questões: precisamos mentir para nos dar bem? trapacear? é preciso jogar sempre um jogo sujo? ou superexplorar a força de trabalho? a nossa e a do outro? ou é isso ou não teremos comida no prato? Obviamente, alguns jogam esse jogo para ter luxos, poder e acumular riquezas. Ou viver um modelo de vida de sucesso. Comprar Iphones de última geração ou fazer aquela viagem “instagramável”. A viagem, no caso, quando a pandemia acabar. Ou não, vai saber. A vida já não perdeu o valor?

O mundo inteiro se identificou e compreendeu os conflitos presentes no filme sul coreano porque eles são universais. Morar mal, comer mal, não ter emprego, ganhar pouco, sofrer com enchente, ser tratado como um zé ninguém fedido, são as condições do que não conseguiram vencer a guerra do dinheiro. O vencedor do Oscar de melhor filme explicita como essa guerra é injusta. Num mundo no qual não há o mínimo para sobrevivência digna, não tem como ter paz.

Diante da pandemia do covid-19, a precariedade de vida explorada no filme parece se ampliar. Da mesma forma que a enchente do rio é um grande desastre apenas para a família Kim, sendo um leve incômodo para a família Park que precisa mudar seus planos de fim de semana, o coronavírus é similar. Os pobres, os países pobres, vivenciam os efeitos da inundação desse pequeno vírus de forma mais intensa. Quando – e se – a pandemia acabar, quais serão os efeitos dela para os mais necessitados à longo prazo? Quais já são os efeitos no agora? O desemprego e a fome farão ainda mais vítimas enquanto os ricos permanecem de braços cruzados?

A diferença de perspectiva de quem está em cima e quem está em baixo

O sistema capitalista, se apoiando nas tecnologias, tem tirado ainda mais proveito dessa situação. Trabalhar de forma precária como motorista de Uber, entregador ou faxineira de aplicativos, será as oportunidades restantes. Dessa forma, a chamada uberização do trabalho vai atingindo a todos. Mesmo os que não prestam serviço diretamente a plataformas de tecnologia. No mundo do trabalho, cada vez mais, observamos os vínculos formais de emprego se desfazer. Trabalhos temporários e sem carteira assinada não garantem direitos trabalhistas básicos como: salário regular, férias, décimo terceiro, entre outros.

Como sobreviver num mundo assim? No mundo onde a ganância e o dinheiro têm parasitado a vida humana? Aonde chegaremos se continuarmos insistindo nesse modo de vida predatório? A guerra dos que precisam sobreviver irá hora ou outra acontecer? Ou destruiremos tudo e todos até nossa extinção?

São muitas questões a serem pensadas. Parasita ensaia muito bem os efeitos do nosso comportamento predatório nesse planeta.

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Daniella Burle
Daniella Burle
Apaixonada por contar histórias, estórias e ler o mundo, se divide entre o campo artístico e o universo acadêmico. Foi ganhadora do prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia em 2019 com o texto da peça Eu sou o Homem. É formada em roteiro pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro (2020). E também graduada em Arquitetura e Urbanismo (2011) pela Universidade Federal de Pernambuco, mestre e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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