Um padre, uma enfermeira e um ambulante sentam na área de fumantes de um hospital. Chove. Parece início de piada, mas não é. O padre torce as mãos, agoniado. A enfermeira olha para os próprios pés, sem dizer nada. O ambulante guarda um pequeno e debochado sorriso.
Padre: Eu nunca vi algo tão grotesco em toda minha vida. Eu já recebi todos os tipos de loucos, maníacos, narcisistas. Já ouvi todo tipo de confissão. Pensei que já tinha ouvido às histórias mais inusitadas e despudoradas que alguém pudesse ouvir sobre o sexo, sobre a carne e o desejo. Nunca pensei que fosse me deparar com tamanha lasciva, assim, num leito de morte. Das confissões, essa foi de longe a mais estranha. O que é capaz a humanidade torturada pela luxúria? Eu conhecia essa mulher. Ela frequentava minha igreja com seu marido. Tinha um sorriso doce, palavras gentis e um rosto impossível de se esquecer. Tal qual esculpido por anjos. Ou por demônios, como posso vir a suspeitar. Eram tão generosos, os dois, que na pandemia doaram comida lado a lado comigo. Eu nunca poderia imaginar ouvir sobre eles um relato tão terrível, tão pecaminoso. Eis que um homem entra pra se confessar – agora recebemos uma alma perturbada ou outra para confissões durante a pandemia – e o homem entra, os olhos arregalados, suando frio. Ele senta-se e começa a discorrer sobre seus últimos dias. Diz que é devoto, mas não sabe mais em que pé pode andar sua fé depois do seu feito. Que separou de sua mulher, inclusive, de tão horrorizada que ela ficou com sua história. Me contou que era motorista de ambulância num hospital na periferia da cidade. Disse que no fatídico dia, transportava em sua ambulância uma paciente com covid e uma enfermeira. A paciente, ele disse, já quase não tinha ânimo e estava sendo transferida para outro hospital. Até aí, além do semblante triste e pálido, parecia uma cena corriqueira. Atravessavam pela manhã bem cedo uma estrada que liga a periferia à cidade, fugindo do trânsito. Um caminho sempre muito tranquilo e de rotina e que, naquela manhã em especial, não havia nenhum outro carro. Eis que, diz o motorista, um carro os corta em alta velocidade e para, bloqueando a via. Impedindo totalmente a passagem. Ele desceu, indo indagar o motorista de tamanha covardia em bloquear o caminho de uma ambulância, quando um homem desce do carro. Sozinho, o rosto tomado por uma tristeza sem tamanho, os olhos cheios de lágrimas e lhe diz que quem ele está transferindo é a sua esposa e que ele precisa vê-la imediatamente. O motorista, apesar de comovido com a imagem daquele homem apaixonado, diz que não pode permitir que os dois se encontrem e pede pra ele liberar passagem. No entanto, pra sua surpresa, as portas do fundo da ambulância se abrem e a mulher – que ele jurava estar completamente desfalecida – desce do carro, correndo, aos gritos. “Está forte, vigorosa, como que por um milagre” – diz o motorista. Milagre, ele usa essa palavra. Ela corre até os braços do marido, a enfermeira de trás, insistindo que ela volte. Mas a mulher a ignora. Agora, o motorista confessa, que a olhando assim fora do soro, da maca, ela era realmente muito bonita. A mulher abraça firme o marido, que agora chora emocionado. Eles se dizem coisas que o motorista não consegue entender. Com medo da doença, ele recua. Ficando a alguns metros do casal. O marido se ajoelha diante da mulher, como que lhe pedindo perdão por algo. Ela então se ajoelha também. E agora, o que relata o motorista, torna-se ainda mais absurdo. Ajoelhados, e o Senhor sabe que não estou mentido sobre o que ouvi, ajoelhados o casal começa a trocar beijos, muito íntimos. Beijos que logo se tornam mãos, sedentas. Que arrancam as roupas fora, no meio da estrada, entre dos carros. E que consumam o maldito ato ali, diante do Senhor, do motorista e da enfermeira. O motorista diz, que a cena, estranhamente, não simplesmente o excita – ele se defende dizendo que das últimas coisas que lhe passaram foram perversões, como se eu fosse acreditar -, mas que se sentiu profundamente emocionado. Porém, eventualmente a emoção deu lugar à lasciva, vendo os corpos nus pecando entrelaçados. Nas finais do famigerado ato, a mulher torna a desfalecer e começa a se despedir do marido. E, como se não pudesse ficar ainda mais ultrajante, o motorista – e agora ele confessa cada vez mais baixo e mais envergonhado – o motorista se aproxima do marido naquele leito de morte maculado. “O marido parece com o luto até apaziguado”, diz o motorista. “Não soluça, não grita, apenas olha apaixonado o corpo de sua esposa em seus braços.” O motorista estranha e tenta se aproximar mais, esquecendo o protocolo, a doença, a decência. Ele aproxima e se senta na estrada de terra ao lado do homem em luto. Os dois se olham e ele fala que pela primeira vez em toda a sua vida, ele sente desejo por um homem. Diz que nunca sentiu nada parecido por nenhum outro homem no mundo. Retira a máscara e o beija. Os dois homens se beijando diante da mulher morta. A mulher de um deles, morta. Quando percebe o que está fazendo, se afasta, incrédulo. O homem agradece sorrindo, feito o próprio demônio, eu penso. Parece que tiveram que chamar a polícia para avaliar a gravidade do caso e que o hospital se encarregou de levar o corpo para o necrotério. O motorista de nada foi acusado além do seu despudor. E nunca mais viu o marido homicida. Eu não posso entender por quais linhas escreve, Senhor. Eu não consigo compreender…
Ambulante: Olha Padre, se me permite. O seu motorista não te contou a verdade. Tem muito caroço nesse angu que ele deixou de fora, talvez pra poupar seus castos ouvidos. Eu não posso lhe dizer muito do romance, mas posso te falar do ato. Eu moro bem perto dessa estrada e apesar do teu motorista não ter me visto, eu o vi bem. Estava nas minhas caminhadas matinais quando vi o alvoroço. O carro parado, a ambulância ainda com sua sirene aos berros. Eu cheguei há tempo de ver as portas abrindo, ou melhor, eu vi quando a enfermeira abriu as portas e a mulher desceu, com aquelas roupas de hospital mesmo. As veias ainda furadas. Mas o rosto da mulher chamou também minha atenção. Linda, parecia saída de uma novela, de uma passarela, eu não sei. Eu talvez corresse atrás dela se fosse casada comigo. Ela desceu, gargalhando. Um sorriso de orelha a orelha, assim como ficou o seu marido. Mal ela chegou perto dele, já começaram a se beijar. E uma roupa de hospital padre, já revela muita coisa, ela quase caiu sozinha. Os dois nem perceberam. Mas eu vi e o motorista, como eu, deve ter ficado surpreso quando a roupa caiu, feito um véu expondo o corpo gostoso da mulher. A bunda, os peitos, tudo ali, olhando pro céu. Me perdoa se ele ficou emocionado, eu fiquei excitado mesmo. As ancas dela ali, brilhando no sol. O marido logo tirou a roupa. Acho que eles tavam tão loucos um pelo outro que nem importava mais se tinha gente, se não tinha. Se a televisão tivesse lá, mil câmeras, eles iam fazer do mesmo jeito. A mulher se jogou no homem, tenho que dizer, que ela que puxou o macho pelo pescoço, botou a cara dele entre os peitos grandes dela. Se tava chorando, ou rindo, eu não sei, mas sei que começou a chupar os peitos, a lamber as marcas dos furos na veia, metia a língua no umbigo dela, até então meter a cara na buceta. Eu digo, no sexo dela, padre. Meteu a cara ali, entre as duas pernas, chupando como um filhote esfomeado. Eu nunca vi um homem, vou lhe dar esse mérito, chupar uma mulher assim. Fiquei encabulado. Até aí, eu só tinha reparado na beleza e gostosura daquela mulher – que eu pensei que também não devia tá assim tão doente, porque tava bem ativa. Eu só via e ouvia, né? Ela gemendo e gemendo e suando e sorrindo e mal segurando a cabeça do homem, que não largava da xota dela. Desculpe, do sexo, do órgão. O mais chocante, porque eu já vi muita coisa, mas o mais chocante foi que em dado momento a mulher vira, se apoia no carro, abre as pernas e empina a raba pro marido. Não é possível, a pessoa saí de uma ambulância e vai dar o cu? Pois sim! Abriu a raba ali, as duas mãos apoiadas no capô do carro. O marido, em quem eu só fui reparar agora, com o pau de fora – não vou entrar no tamanho do jumento, mas era vigoroso – , nem mesmo o marido acredita que a mulher tá abrindo assim a porta de trás pra ele. Não sei, me pareceu surpreso e um pouco hesitante. Primeiro beijou uma banda, depois a outra banda. Passou a língua nas costas. E ela reclamava, dizia: “Mete homem. É isso que eu quero.”. Ele botou a cara na bunda dela mais um pouco, ela se tremendo, fazendo graça. E ele se afastava de novo e ela pedia: “Mete homem”. Eu quase me apresentei, nesse ponto, já tava animado, já tava pensando na desfeita da mulher sair da ambulância e não conseguir se satisfazer, né? Isso aí nem Deus pode perdoar. Uma mulher tão bonita dessa. O buraco ali brilhando, pulsando. Mas o marido, claro, atendeu. Começou a meter nela e ela, safada, se masturbando com uma das mãos. Tava bem viva, eu vou te falar. Não teve nada de marido homicida ali não. A mulher tava viva e aproveitando o dote do marido entrando e saindo de sua raba. Ele metia com força, a mulher gemia agudo assim. Ele apertava os peitos dela. Ela gemia mais. O carro quase balançando. O homem era bem parrudo, não era magrelo não, porque tinha que ser muito parrudo pra ficar ali o tempo que eles ficaram. E não parou, ela virou pra ele e falou: “Agora de frente”. Nunca vi uma mulher com tanta certeza, tanta firmeza na voz. Parecia uma fera. O homem ergue ela, levanta ela do chão, apoia as costas dela no carro, abre as duas pernas – que ficam assim meio pro alto, meio na cintura dele – e começa a meter olhando fundo no olho dela. Ela continua se masturbando, os peito balançando quase batendo na cara do marido. O cara já suando que nem um condenado, mas ali metendo. Foi ficando mais lento, claro, ele era humano. Não sei como não quebrou aquele carro. Mas ele seguiu, mais lento, ela abraçada nele e gozou, porque gritou como nunca. Os dois gritaram. Podia tá mais lento, mas a coisa foi intensa. Só depois do grito, um grito de gozo mesmo, é que eles se abraçaram e ela começou a falar umas coisas, que eu não consegui ouvir. Ela falou bem no ouvido do marido, mas eu acho que o motorista – que agora tava bem perto – ouviu. Porque o motorista começou a chorar. E o marido começou a chorar. E ela beijando a orelha do marido, ele chorando, abraçando ela forte. E aí ela começou a empalidecer, ficar com cara mais fraquinha. O marido deitou ela no chão, com muito cuidado, ficou olhando pra ela, ela ainda olhando pra ele. Então o motorista chegou perto, falou alguma coisa. A mulher deu a mão pro motorista e morreu. O motorista ficou lá, né? Um tempo segurando a mão da mulher morta, olhando nos olhos do marido. Quando ele soltou a mão da mulher, deu um beijo assim na testa dela. Eu já tava pensando em ir embora, enfim. Já tinha história suficiente pra ninguém acreditar em mim, mas aí o marido se aproximou do motorista e o motorista beijou a boca dele. Mas beijou forte. Não foi um selinho, foi um beijo. Depois deram as mãos, um aperto de mão meio formal. Esquisito. E o marido, num sei se pegou o carro ou se voltou pra perto da mulher, sei que eu fui embora. Se era de Deus, ou não, eu não sei padre. Mas as pessoas tão ficando doidas. O mundo tá muito esquisito. Eu não me surpreendo. Não tem jeito fácil de perder uma pessoa. Cada um tem o seu negócio, entendeu? Ela morreu feliz, eu posso afirmar. Porque se aquilo ali não é feliz, eu não sei o que é. Aquilo era prazer. O marido, coitado, eu vi ele depor. Quer dizer, um amigo meu que trabalha na justiça viu, falou que o homem em luto, completamente apaixonado, contou uma história meio doida. Falou que teve um sonho com ela em que ela pediu isso. Só sabia dizer o quanto amava sua mulher e o quanto ela o amava, que ela que pediu e insistiu pra ele fazer isso. Do sonho, eu não sei. Mas ela quis ele antes de morrer e quis com muita vontade. No lugar dele, eu… Vai saber? Seria sorte a minha se uma mulher um dia me quiser assim.
Enfermeira: Vocês não sabem, vocês não viram o que eu vi. Eu tava na ambulância com a mulher. Eu cuidei dela todos os dias no hospital. Ela nem respondia direito. O marido vivia batendo lá na sala de espera, me pedindo notícias, desesperado. Mas a coisa tava precária, a gente teve que transferir. Nos últimos dias antes da transferência, ela começou a falar umas coisas enquanto dormia. Chamava o nome do marido. Eu tinha muita pena. Mas até aí achava normal. No dia da transferência ela segurou firme na minha mão, com toda firmeza que tinha e me disse que queria ir pela estrada mais tranquila. Eu disse que era por onde sempre íamos e ela sorriu. Levamos ela pra ambulância, informamos o marido que ela ia ser transferida. Mas não dissemos nada do caminho, que eu lembre. Tudo muito estranho. Quando instalei ela na maca, ela parecia mais pálida, ela olhou nos meus olhos e me disse que ia morrer. Que era seu último dia. Que ela sabia. E que nem valia a viagem. Eu tô acostumada a ouvir coisas assim. Disse pra ela não ter medo, que eu ia com ela e que o outro hospital era melhor e ela teria mais oxigênio e recurso pra melhorar. Ela riu de mim. Disse que não era mais uma luta. Que estava ganha. Mas que precisava ver o seu marido. Eu não entendi. Entramos na ambulância. Ela pareceu adormecer. Eu relaxei. A coisa ficou mais esquisita quando chegamos na estrada. Eu não sei se consigo colocar em palavras. Começou a ventar forte. Entramos na estrada e o vento bateu na janelinha da parte de trás da ambulância e, com o barulho, ela abriu os olhos. Os olhos dela pareciam brilhar. As máquinas todas começaram a apitar. Eu fui checar o que estava acontecendo, de repente tudo ficou mudo. Como se a energia tivesse caído. Eu vi os pulmões dela subindo e descendo, fortes. Como nunca. Ela pediu preu afrouxar o cinto da maca. Eu, burra, me aproximei pra afrouxar. No que desfivelei, ela soltou os braços e me empurrou pra longe. Começou a tirar o soro, o respirador, tudo. Eu tentei pará-la. Ela segurou minha mão, olhou no fundo dos meus olhos e me disse: “Eu sinto muito, talvez um dia você possa entender. Talvez você não tenha a dimensão que isso tem para mim. Eu só pude ver com clareza agora. Toda minha vida eu nunca soube o que eu queria. Eu pensava desejar coisas. Pensava que sabia sobre meus desejos e vontades. Mas verdade é que eu nunca realmente entendi. Eu nunca realmente tive prazer. É muito triste perceber isso num leito de morte. Realizar que toda a sua vida – e olha, meu marido me ama profundamente – mas eu realizei que eu nunca soube o que era o prazer ou como consegui-lo porque não sabia desejar. E ele me amava como sabia. Mas não era bom pra mim. E eu não tinha ideia de que devia fazer algo sobre isso. Numa noite, em sonhos, no hospital, eu descobri. Eu entendi o que eu quero. Eu não posso morrer, moça, sem ter provado um orgasmo. Eu não quero viver. Mas eu sei como preciso e desejo morrer. Eu não posso morrer sem nunca ter gozado. Eu não vou. Tem coisas em que botamos o nosso limite. Eu não vou findar como essa mulher que nunca soube o que quer, que nunca gozou e morre assim. Esse será o meu inferno. Por isso, se meu marido for o homem que o penso que ele é, essa ambulância vai parar e você não vai ser mulher de me negar um único gozo em vida antes da morte. Eu não posso fazê-lo sozinha, mas sei que com a ajuda dele, eu vou. E assim morrerei em paz. Terei meu paraíso. Agora, seja sincera. Eu tenho medo de nem saber reconhecer se estou perto. Me diga. Como é ter um orgasmo?” Eu estremeci. Mas respondi. “É diferente para algumas mulheres, mas o coração acelera, os músculos contraem, tudo fica mais quente pelo fluxo sanguíneo. Algumas pessoas têm espasmos. Choram ou riem. Depois parece que fico mais leve. Como uma descarga, sabe? Um pequeno transe e um alívio. Profundo.” Lágrimas escorriam dos olhos dela. ” Você nunca nem se tocou? Colocou a mão no clitóris, massageou, nada? Nem o seu marido? Nada parecido com esse êxtase?”. “Não”, ela respondeu. Eu quase me esqueci do marido. Eu queria dizer pra ela se tocar ali, agora mesmo. Que eu viraria de costas ou sairia da ambulância pra ela ter privacidade, caso ele não fosse. E eu juro que ambulância parou na mesma hora, quando ia propor, antes deu abrir a boca. Eu não podia acreditar. Eu não tinha reação possível para tudo aquilo. A determinação e clareza que ela tinha e ao mesmo tempo os seus olhos cheios de água enquanto eu descrevia. Eu me compadeci dela. Eu não sei, eu não pude não me comover. Eu pedi pra checar os sinais vitais, estavam ótimos. Milagrosamente ótimos. Eu tentei lhe pedir que fosse e retornasse. Mas sabia, de algum jeito estranho, que não aconteceria. Ela ia ter seu ápice – com sorte – e aquilo pra ela tinha uma importância tamanha que o resto parecia menos relevante. Eu sei que parece absurdo. Mas eu abri a porta e ela correu vigorosa como nunca vi ninguém correr. E o meu maior medo era ela não conseguir. Era ter todo aquele último esforço para acabar se decepcionando consigo e com seu marido. Fui olhar e o marido estava lá e, de algum jeito, eu fiquei feliz que ele estava. Era menos um fardo para mim. Se ele não estivesse eu não sei o que iria fazer. Acho que ele tão pouco imaginava o que ela estava prestes a lhe pedir. Eu os ouvi conversar. Ela foi franca. Disse que ele devia isso a ela. Que de todas as milhares de transas, ela sempre fez tal como ele gostava e queria. E que nunca, nem uma vez, sentiu nada parecido com o prazer. Sentia apenas uma certa satisfação altruísta de ter proporcionado algo bom, mas que a vagina dela nem ficava molhada, nem pulsava. “Estava morta”, ela disse pra ele. “Morta em vida. E agora, pelo menos na morte, quero viver. Você precisa me fazer gozar.” O homem empalideceu, como se tivesse visto um fantasma. Primeiro colocou o pau pra fora, meio em desespero, meio sem entender o que ela queria que ele fizesse. Ela fez que não. Tirou sim o traje hospitalar e puxou o rosto dele pra perto dos peitos. Ele começou a chupá-los. Mas estava perdido. Olhava para mim e para o motorista, aflito. Ela tentava o indicar, mas pareciam fugir as palavras. Eu estava mais longe e um pouco estupefata, mas o motorista logo se aproximou. Ele começou a dizer tudo e como o marido devia fazer. Parecia hipnotizado. Sentou-se próximo deles e lhes dizia tudo. Dizia como chupar, indicava pra abrir mais ou menos a boca, para beijar ou sugar devagar, para apertar um dos peitos ou pressionar levemente o mamilo. Ia corrigindo nos detalhes, com muito carinho e precisão. Os dirigindo em direção ao orgasmo. Dizia-lhe: “Agora beija o pescoço dela, molhado, devagar” ou “Enquanto chupa o peito, com uma das mãos você vai tocar o clitóris dela , com o indicador e o do meio, em pequenos círculos.” Depois, ela já gemendo e gemendo, suando, virando os olhos, o motorista seguia. Dizia para apertar sua bunda, para ficar muito tempo mesmo chupando, sugando a buceta. “Cuidado com os dentes!”, “Tenha calma”. Como uma espécie de mestre. Eu trabalhei ao lado dele minha vida inteira e nunca poderia imaginar. Nunca o ouvi falar sobre sexo uma única vez. Mas ele estava lá os guiando com primor. O marido se exauria empenhado. De alguma forma, feliz em ter alguma ajuda naquela estranha missão. A mulher aos poucos ia entendendo como pedir ajuda. Dizia ao motorista quando cansava de determinada posição, ou quando a língua do marido fazia cócegas ou ficava muito dura. O motorista então mudava a forma de falar e os guiava para outro caminho. Ela logo chocou o marido dizendo que queria dar o cu. O marido teria sim metido ali de qualquer jeito, mas o motorista interrompeu. Disse que precisava ter calma e carinho. Pediu que beijasse toda a bunda dela primeiro. Depois beijasse e lambesse seu cu. Para que ela relaxasse e confiasse nele. Ela ia gemendo e relaxando apoiada no carro. O motorista disse que poderia ajudar se ela se tocasse. E depois indicou pro marido como inclinar, de que ângulo meter. Primeiro os dedos. E tudo com muita saliva, na falta de um lubrificante. O marido foi metendo os dedos devagar. Ele pediu então que metesse só a cabeça e deixasse parada lá dentro pra ela se acostumar. E depois metesse um pouco mais. E um pouco mais. E então tirasse e colocasse devagar. Com cuidado. Acariciando as costas enquanto metia. E ela se masturbando, ou melhor, imitando como o motorista tinha dito pro marido a tocar. Gemia mais e mais. Aí o motorista disse pra ela parar. Disse pros dois virarem de frente. O marido já exausto, dizia que não sabia se poderia continuar. O motorista disse que podiam continuar devagar, sem pressa, suavemente. Que era importante que se olhassem para que o marido sentisse como ela gostava que ele metesse. Mais ou menos fundo. Com mais ou menos pressão. Que ela devia continuar se tocando e gemer livremente. Como quisesse. Que a buceta e a garganta eram ligadas e que era importante ela gritar se sentisse que devia. E os dois começaram outra vez. O marido penetrando ela devagar, rebolando, achando nuance. Ela gemendo mais alto, rindo e gemendo. As pernas dela começaram a tremer. O motorista pediu pro marido meter ainda mais lento e segurar no pescoço dela. Ela tremia toda. Até eu me tremia toda. O marido continuou, arfando, sem dizer mais nada. E o motorista começou a falar como se fosse ele metendo nela. Dizia coisas como “estamos quase lá”, “eu te sinto inteira em mim”, ” A sua buceta é tão gostosa e quente. É a buceta mais gostosa que já senti em toda a minha vida”. Ela teve o orgasmo olhando no fundo dos olhos do motorista. Pareceu errado continuar ali. Os três se olhavam agora com tanta ternura. Quando ela empalideceu, eu quis me aproximar, mas ela pediu que eu me afastasse. Chamou os dois. Se despediu dos dois como se os amasse igualmente. Como se o motorista fosse parte deles. Eu acordei daquele transe e me afastei. Tentando tornar a colocar o senso na cabeça. Fiquei com medo. Um medo de ter participado de alguma coisa errada, de ser punida de alguma forma. Chamei a polícia e o hospital. Mas não entrei nos detalhes. Pareceu justo poupá-los. Ninguém que não estivesse lá poderia entender. Ela teve seu doce orgasmo e de algum jeito, isso me deu um profundo alívio. Cada pessoa sabe o paraíso que merece.
* * *
Ilustradora:
Carolina Morales
graduanda em pedagogia pela PUC-Rio, cenógrafa e caracterizadora do Grupo Fúria, coletivo teatral, trabalha com artes plásticas e é tatuadora iniciante – Carolina Morales é cientista.
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