Qual é a questão central de A Chegada?

Existem poucos filmes hoje em dia que conseguem dar uma sensação de uma história completa e fechada. Muitas vezes é comum ficar preso em longas discussões sobre pequenos fatores e acontecimentos que te tiram da história. Isso ocorre principalmente por uma falta de foco que se tem na escrita e (as vezes) no processo de direção de um filme. “A Chegada” (2016) é um bom exemplo de como se focar no essencial de uma narrativa a torna mais consistente. É um filme cujas ações são tão bem escolhidas que fazem uma história pequena de menos de duas horas pesar como uma jornada de duas horas e meia. Tudo isso graças a uma decisão importante na hora da escrita: a escolha de um tema.

Quando se trata do processo de criação de uma história, muitas vezes o que se tem no começo são uma série de pedaços de ideias soltas que podem ou não acrescentar a narrativa. Isso acontece tanto em roteiros originais, quanto em adaptados. Fatos que ocorreram com um personagem histórico, por exemplo, podem ajudar ou atrapalhar a ideia de que um filme quer construir sobre essa pessoa e, por isso, podem ser cortados dos tratamentos subsequentes.

Ao se focar em algo que guie sua história, o roteirista escolhe um um caminho pelo qual ele pode dar forma a sua narrativa. Isso pode ser expresso, recriado e até modificado na hora da gravação de diferentes formas, mas, para se ater ao exemplo, vamos ver como essa relação com o tema ocorre em “A Chegada” (2016).

História e Roteiro

O que é interessante observar é que desde o princípio o tema de “A Chegada” (2016) é bastante claro: a comunicação. É algo que está presente na obra original, o conto “A História da Sua Vida” de Ted Chiang. Nele, Louise é uma linguista que é chamada para tentar estabelecer contato com uma raça alienígena que chegou à terra. Até aí, fica claro o papel do tema, mas ao ser comparado a adaptação, surgem algumas mudanças interessantes: Enquanto no livro a história pula em diferentes momentos de Louise sem motivo explícito, no filme é possível observar certa preparação sobre essa questão da sua memória. Dando um foco maior no tema central, antes de revelar os “poderes” da protagonista.

Além disso, é possível ver o elemento da comunicação sendo expresso de várias maneiras ao longo do roteiro, chegando a ser o tema central de várias cenas. Por exemplo:

Nas primeiras vezes que Louise (Amy Adams) e Ian (Jeremy Renner) entram em contato com os heptapods, existe uma tentativa de estabelecer comunicação com a raça:

Ian meche no computador enquanto Louise mostra palavras aos heptapods

Quando Louise (Amy Adams) e Ian (Jeremy Renner) tem discussões com Coronel Weber (Forrest Whitaker) e o Agente Halpern (Michael Stuhlbarg) sobre como proceder, se mostram problemas de comunicação constantes:

Coronel Weber, Ian, Louise, Agente Halpern e um soldado discutem

Quando os soldados do campo são convencidos a “dar uma amostragem de força” aos alienígenas graças a um podcast conspiracionista, eles são manipulados por um meio de comunicação:

Dois soldados ouvem um podcast de um conspiracionista

Por fim, quando Louise (Amy Adams) é convocada para traduzir um áudio em mandarim que fora extraído por meio de espionagem, que geralmente é realizado por meio de um roubo de comunicação:

Louise ouve um áudio ao lado do Coronel Weber

Além disso, na parte mais “superficial” do roteiro, é possível notar a intertextualidade que o filme tem com questões mais científicas e acadêmicas. Uma característica adaptada diretamente da linguagem do conto de Ted Chiang que serve para dar uma certa profundidade/veracidade as abordagens de Louise (Amy Adams) além de servir de ferramenta para a revelação final do filme.

Louise em seu quarto

Ian: “Sabe, eu estava lendo sobre uma ideia que se você fizer uma imersão numa língua estrangeira você pode realmente reprogramar seu cérebro.”
Louise: “É, a Hipótese de Sapir-Whorf. A teoria de que… É a teoria de que a língua que você fala determina como você pensa e…”
Ian: “Ela afeta como você enxerga tudo. Estou curioso. Você está sonhando na língua deles?”

Direção

Quando o roteiro deixa as mãos do roteirista e segue para a produção, um diretor consciente sobre a história pode fazer grandes mudanças que a favorecem. A primeira adaptação feita que engrandeceu “A Chegada” (2016) foi a adição da mídia como elemento visual no filme. Ela está presente em todos os lugares desde o começo. Jornais com diferentes posturas e de diferentes empresas informam e passam mensagens curtas para diferentes personagens. Elas ajudam a entender como o mundo lá fora reage a chegada dos extraterrestres e adicionam tensão ao filme. Quanto mais sessões são necessárias para estabelecer comunicação efetiva com os heptapods, mais o caos se espalha em meio a espera do público sobre uma resposta.

Louise caminha pela universidade enquanto os alunos assistem jornal, ian assiste o jornal dentro de seu escritório, os outros cientistas assistem ao noticiário, diferentes cenas de caos aparecem no noticiário

Porém o simbolismo maior da mídia no filme é justamente mostrar a falta de comunicação existente naquele universo. Assim, como a aliança de países decide deixar de cooperar e cortam contato entre si como uma “medida de segurança”, o fato de terem diferentes canais de mídia simbolizam que somos alvos de diferentes pontos de vista e opiniões, sem nunca poder ter um panorama geral e mais acurado sobre os fatos. O que fica mais claro quando a notícia da desistência de guerra pela China é mostrada de forma muito similar a mensagem primordial dos heptapodes (que só faria sentido quando somada com as outras 11 mensagens existentes). Em um mundo onde a comunicação entre indivíduos e nações é falha a única forma de entender a realidade é se submeter a diferentes pontos de vista.

A Mensagem final dos heptapods é mostrada na tela vários jornais reportam a noticia da desistência da china simultaneamente

Trilha sonora

Um outro elemento interessante que também gira entorno da comunicação é a forma em que a trilha sonora do filme foi composta. Se em “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”(1977) a música pode ser uma forma de comunicação entre espécies, Jóhann Jóhannsson pensou que música de “A Chegada” seria composta a partir dos meios de comunicação sonora existentes.

Sejam eles vozes humanas:

Ou os sons dos heptapods:

Isso, junto de algumas questões postas dentro do filme, nos fazem refletir sobre quantas características fonéticas foram necessárias para que humanidade pudesse compor as línguas que se utiliza hoje em dia.

Por fim, com um tema e um direcionamento certo em cada parte da produção, “A Chegada” (2016) se mostra como uma obra focada e consistente. Claro que ainda existem características que fogem ao tema da comunicação no filme, a questão da memória de Louise por exemplo. Porém muitas dessas não contradizem a história e podem ajudar na consistência da carreira de um roteirista ou diretor (algo para outro texto). Ainda assim, é uma obra fechada e digna da atenção que tem.

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Yuri Cardoso
Yuri Cardoso
Roteirista, escritor e fotógrafo, todos ainda em prática. Sempre ouvindo podcasts e filosofando o porquê das coisas comigo mesmo. Amo cinema, relações Internacionais e história. Meio prolixo, só me concentro no trabalho ouvindo trilhas sonoras e bebendo um copo de mate.

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