Do amor e ódio às academias de ginástica

Depois de quatro anos morando na Holanda, resolvi me matricular numa academia de ginástica. Foi contra quase todos os meus princípios, não gosto de nada nas academias, mas precisava criar uma disciplina, em outras palavras, programar os meses de frio, que começam agora. Meus dias de estudante terminaram, fico boa parte do tempo em casa, no computador. Vários projetos e exposições rolando, mas faço meu horário com bastante liberdade. Talvez seja a vida que eu sempre quis. Mas agora preciso recuperar a bendita disciplina. Com prazos que variam de semanas a meses, é muito fácil procrastinar. Curtir uma manhã tranquila, perder-se na caixa de email, ou checando o Facebook, decidindo as coisas devagar. A vida passa num instante.

Com o inverno, os dias vão ficando mais curtos e a carioca em casa só pensa em comer chocolate. É uma força sobrenatural, que te atrai também para debaixo do cobertor. Sim, a tendência é querer hibernar. E aí mora também o risco da depressão. (A ironia é que fui convidada a participar de uma exposição contra a depressão de inverno, a ser inaugurada em janeiro, em Maastricht. E na qual vou ocupar a “sala do movimento”, com meu projeto de formatura, o ‘Flexor‘. De fato ele tem um quê de aparelho de ginástica – estava consciente quando o concebi).

Enfim, dizem que caminhar ou correr são a melhor opção para manter a forma. Mas o tempo aqui não ajuda o cidadão que quer usar o espaço público para malhar. Aqui chove todos os dias do ano, venta e faz frio numa proporção quase igual. Tem gente aqui que consegue correr até na neve. Mas nessas horas a minha ascendência tropical desperta das profundezas e diz, tudo tem limite! Correr no frio dói demais o nariz, a garganta, os dedos. Já tentei algumas vezes.

Socorro, eu não pertenço a este lugar!

Quando cheguei aqui em 2009, descobri quitutes do mundo inteiro, me fartei de tanta novidade, de vinhos e de queijos, muito mais acessíveis do que no Brasil. O tempo passou, o corpo sentiu. Não conseguia acompanhar meus colegas de curso, que bebiam todos os dias. Ganhei até um problema de estômago. Mas isso já é assunto talvez pra outro post. O fato é que preciso me lembrar de como eu era saudável no Brasil.

Sempre achei cuidar do corpo fundamental. Já fui neurótica, até o ponto da anorexia há anos atrás. Sempre fiz tudo que se recomendava. Malhava, bebia dois litros de água por dia, me entupia de fibras, evitava gordura animal, etc etc. Hoje tento não me preocupar demais e me permito comer certas coisas que considerava proibitivas nos meus anos xiitas (chocolate, amendoim, pizza, de vez em quando hoje pode). Mas enfim, meu metabolismo não é mais o mesmo de 10 ano atrás. Mas eu ia falando da academia de ginástica.

Quando entro em qualquer academia eu penso “Socorro, eu não pertenço a este lugar”. Imagino os corpos suados, sarados, trabalhando cada músculo, num exercício narcisista e exibicionista. Já eu morro de vergonha em malhar, vou com as roupas mais largas possíveis. Não me considero baranga, mas nem por isso gosto me exibir. Aliás sou tímida demais mesmo. No entanto sempre esqueço que as academias são o espaço também dos gordinhos e dos flácidos. Quando vejo um gordinho chegando, ainda me admiro, “Como pode? O que faz aqui?”. Raramente me ocorre que o cidadão pode estar indo pela primeira vez também. Assim como eu e talvez você.

Escolhi a academia mais barata da cidade, chamada ‘Fit for Free’. “Inscrição gratuita só hoje”. Para depois descobrir porque era tão em conta. O cheiro de suor sente-se da entrada. No frio holandês, não se abrem as janelas. As máquinas são praticamente apinhadas, umas atrás das outras, para atender a todos os clientes. Tem um quê de projeto social.

Em pouco tempo nota-se que todos os tipos malham ali, da dona de casa, o adolescente obeso, ao colecionar de piercings (sem exagero, vi um sujeito com uns cinquenta piercings em cada braço, subindo pelo pescoço e pela cabeça). Uma constelação de seres e de sons, coroada por uma bateria de televisões ligadas em diferentes canais. Até que por fim, pude sublimar tudo aquilo e focar na telinha do meu aparelho: as calorias consumidas, a velocidade e os quilômetros percorridos. Contando os minutos, mentalizando saúde e tônus muscular. No fundo há um sentimento bom de manutenção do corpo. Já quero voltar lá hoje. Enfim, a academia nos iguala, assim como os banheiros públicos, as zonas eleitorais e as praias do Rio. Quem ama cuida.

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Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues
Ludmila Rodrigues é carioca, artista plástica, cenógrafa e professora, radicada em Haia, nos Países Baixos. Seu trabalho une a dança à arquitetura, construindo pontes entre os cinco sentidos e a arte, entre a experiência individual e a coletiva. Ludmila também é apaixonada por kung fu e por cinema.

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