Ouroboros

Dia desses alguém postou na internet: “Feliz ano novo”. Esse fato não aconteceu, obviamente, em 1° de janeiro (afinal Nothing changes on New Year’s Day) e sim logo após o encerramento do carnaval. É uma tradição! Digo, a tradição se dá tanto pelo carnaval, secular em sua ritualística sacro profana, quanto pelo fato de se declarar o réveillon após seu término. “No Brasil o ano só começa depois do carnaval”. Quantas vezes você já ouviu isso? E agora vamos refletir juntos, quantas vezes você ainda ouvirá?

Os rituais do calendário estavam, estão e estarão lá para nos permitir apascentar em segurança nossas vidas pequeninas, como um camponês medieval compreendendo da mudança lenta das constelações em sua vigília noturna, que tudo se repetirá agora. O Tempo passante talvez só exista em nossas saudades. O que vivenciamos, o que experimentamos é muito menos uma dança de entropia e muito mais algo próximo do bailado do eterno retorno. Somos maré, elipses, ressurgência. Estamos todos atados aos ciclos. Ciclos da natureza, da sociedade e da cultura, ciclos hormonais, psíquicos, espirituais.

Mudam as estações, a moda, a linguagem, os governos. Enrugam as faces, tombam as montanhas, desviam-se os rios, a techné cria novos meios, o mundo se convulsiona. Mas as aves continuam a regressar em seus processos migratórios, tal qual a fênix.

Os ciclos são padrões que identificamos e fazemos deles o feijão com arroz dos nossos dias. O genial músico e poeta Belchior cantou que “O novo sempre vem”, mas se ele, o novo, sempre vem, então cadê a novidade? Tudo que é inédito, em seu ineditismo é antigo. Um dos mais interessantes livros da Bíblia está no antigo testamento, o Eclesiastes, onde sábios hebreus já diziam: “Não há nada de novo sob o sol”. Pois é seu Agenor… O Tempo não passa!

Daqui até daqui a pouco você reencontrará o imposto de renda, as marcas do coelho da páscoa no chão da Dinda para alegria da criançada, o engarrafamento de domingo do almoço do dia das mães, as festas juninas do reinado do xadrez, o dia do saiu pra comprar cigarro e não voltou, o desfile cívico, o Halloween é o c. Aqui é saci! A promoção da metade do dobro, e antes que você possa correr pra rede dizer “já?” Alguém estará postando que é Natal na Leader Magazine.

Vejo um velho caminhão enguiçado em um posto de combustível abandonado, na lona do para-choque bem poderia estar escrito “Plus ça change, plus c’est la même chose”.
Feliz ano galera. Bora marcar um chopp. Quando? Um dia desses.

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Mr. Hyde
Mr. Hyde
Ex crooner de cabaret, ex Administrador do Bingo Solidário da ala três. Ex crítico de cartas de amor coletadas em aterros sanitários. Ex fumante de Derby Vermelho. Ex traficante de xaxim. Iludido em tenra infância por um Papai Noel de galeria, Mr. Hyde ainda acredita em anjos, sejam os caídos ou pendurados.

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