O coaching espiritual

Uma homenagem aos maus profissionais, que veem na área da saúde e comportamento uma fonte de renda fácil, usando a necessidade das pessoas como forma de se dar bem com muito gogó e pouca profundidade…

A vida tinha sido boa. Vendia felicidade em prestações, suas palavras tinham poder. Ele ajudava as pessoas a serem mais felizes. Para isso não podia deixar de ser feliz. Nada o abalava, estava sempre pronto a ver o lado bom da estória, tirando lição de folha de árvore caindo.

Depois de fazer um “glass walking” com pedaços de acrílico, continuou projetando desafios pra si mesmo. Foi andar por cima do caminho de brasas, mas sem querer soltou um espirro. Foi o suficiente pra produzir uma queimadura de segundo grau nos 2 pés. Mas nem assim ele se entregou. “pés para alto e pensamento mais ainda”, bradava como o desafio novo a ser vencido. Não deu. Uma baita infecção na queimadura se alastrou para resto do corpo. Septicemia. A imunidade estava baixa em função das desintoxicações e purificações que tinha feito desde sua última viagem ao Nepal em função dos whiskys noturnos que ajudavam a dormir. Como estava sempre limpo, em lugares assépticos, ultra-arrumados e estéreis, pois isso era sinônimo de organização e controle, não conseguiu resistir.

Mesmo morto não dava sua vida por encerrada. Queria mais, sempre mais. Foi assim, vagando por becos nos umbrais e nos parquinhos infantis, que ele encontrou aquele lugar. Havia uma fila na porta e isso lhe chamou a atenção. Várias entidades estranhavam aquele sujeito de terno azul marinho, bem cortado, camisa branca e gravata violeta, pois eles estavam acostumados com os Zés, de branco e vermelho ou no branco e preto. Muito confiante e simpático, ele chegou cumprimentando a todos, distribuindo cartões com seu website onde se via sua foto classicamente inspirada no tio Sam. Rodou por aqui e ali, e notou um médium desocupado. Encostou nele e se apresentou.

O médium estranhou, achou que fosse uma tentativa de sedução das forças do mal. Mas com uma frase de efeito fez o médium dar um sorriso complacente e acenar em concordância com a cabeça. Disse-lhe que não mais seria incorporado e sim, a partir de agora Ancorado. Ele não quis trabalhar montado, fez o termo cavalo cair em desuso naquele centro. Queria a posição de consultor. Sentado ali, ao lado do médium, iria soprar no ouvido e o médium repetiria. A primeira vez não deu certo. O médium não tinha expressão corporal bem desenvolvida. Como bom apaixonado por desafios, ele não se deu por vencido. Fez o médium procurar seus colegas de profissão ainda vivos e com a ajuda da PNL, hipnose e muita técnica de dança xamânica do círculo sagrado mudou o jeito natural do médium. O levou na loja de ternos que pareciam caros e explicou que o poder tá na gravata. As mudanças surtiram efeito. O centro passou a ter um letreiro em neon, citações dos livros coladas nas paredes deram lugar a frases de incentivo e de pensamento positivo, as palestras de evangelização todas eram agora feitas em Power Point e vídeos motivacionais, sempre com prática no final.

Articulou-se nos bastidores do mundo não físico. Fechou parcerias, tirou fotos com gente (morta) importante. Conseguiu convencer os escritores desencarnados a estudar PNL e tomá-la como princípio e não como meio. Assim novas versões de livros clássicos foram reescritos para serem relançados. Com uma roupagem moderna e capas holográficas, foi lançado primeiro “o Livro dos espíritos realizados” logo depois “O evangelho segundo pensamento positivo” e completando o que foi promulgado como trilogia o “Livro dos médiuns felizes e eficazes” que ensinava técnicas de escrita mediúnica rápida e já em Word. “Pra que garranchos e tantas folhas de papel? Temos que pensar na natureza, sermos sustentáveis”. Ele também pensava na ecologia. Só pensava na imagem a ser passada. A imagem era tudo.

Ele conseguiu, se realizou na terra como no céu. Foi o responsável criativo e executivo da mudança do termo “entidade” Para “coaching espiritual”. Seus cursos de formação fomentavam uma multidão de novas almas, num mercado que nunca para de ter novos fregueses chegando. Está tentando uma parceria com a maior referência em produção de vida (boa ou ruim) que já existiu, mas infelizmente até agora não conseguiu contato. Parece que esse outro tá sempre ocupado ouvindo seus clientes da terra pedindo coisas…

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Lauro Pontes
Lauro Pontes
Professor, escritor, pesquisador, supervisor em existencial-humanismo. Doutor em psicologia pela UERJ, coordenador de especialização em Cannabis medicinal, está sempre em busca de entender nossa mente e o universo que habitamos, enquanto isso alimenta diariamente seu vicio em seriados, joga pelada e exerce a paternidade de uma pré-adolescente.

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