Nesses últimos dias, não tenho tido vontade de escrever nada. Minto, havia iniciado um texto sobre Purgatório Heroica (1970) de Yoshishige (ou Kiju) Yosiha, mas a falta de ânimo me atingiu em cheio, mas quem pode culpá-la. Depois de gastar muito tempo em uma empreitada fadada ao fracasso, decidi que em vez de continuar dando murro em ponto de faca, escreveria sobre “Comedians in Cars Getting Coffee” (2012) de Jerry Seinfeld, alguém habituado a lidar com o nada a dizer.
Quem conhece um pouco da trajetória do comediante, já deve ter entendido a conexão. Mas para aqueles que nunca ouviram falar de Seinfeld, série co-criada e estrelada por Jerry, só posso dizer “sinto muito, eu não ligo”. É esse mesmo ar de “i don’t care” que permeia a série e os outros trabalhos do comediante, e esse fator os torna tão interessantes.
O programa parece revelar algo muito interessante dessa espécie tão incomum: pessoas que escolheram (ou não) trabalhar com comédia. Muitos deles parecem ser, em algum nível, indivíduos desajustados e que veem o mundo de forma muito peculiar.
Mas do que se trata “Comedians in Cars”? Basicamente, Jerry, em um carro, busca seus convidados (comediantes ou simpatizantes) em casa, os leva para tomar café, e passeia um pouco com eles. Talvez você pense “que idiota”, você estaria certo… se não fosse você o idiota. Brincadeiras a partes, o que torna tudo tão diferente, é que o programa, mais do que um talk show, é uma série de conversas que giram em torno de… isso mesmo, nada. Agora, você que é um pouco mais desinformado ou lento conseguiu entender a ligação. Parabéns!
A engenhosidade do programa está no fato de Jerry não ter pensado o seu programa como “Comediantes em Carros, Tomam Café e Falam de como Fazem Comédia”. Nope, ele preferiu um outro caminho. O que acontece entre ele e seus convidados um tanto “especiais”, é um bate-papo que não leva a lugar nenhum. Essa é mágica. É quase como um documentário antigo da National Geographic, só que em vez animais, vemos comediantes interagindo em seu habitat natural.
Embora o que disse possa parecer uma piada e é… o programa parece revelar algo muito interessante dessa espécie tão incomum: pessoas que escolheram (ou não) trabalhar com comédia. Muitos deles parecem ser, em algum nível, indivíduos desajustados e que veem o mundo de uma forma peculiar. Por exemplo, em um dos episódios, Jerry solta a seguinte fala:
“Só os comediantes riem das cenas horríveis de morte e destruição. A maioria das pessoas só se incomoda com a ideia.”
Lendo essa frase descontextualizada, parece realmente terrível — mas quando Beckett ria do absurdo da existência, ninguém reclamou. Como eu disse em um texto anterior, os comediantes estão constantemente em uma corda bamba. Algo que eles têm noção, tanto que em algumas entrevistas fica claro o quanto assustador pode ser encarar o julgamento da plateia.
Embora, a primeira vista possa parecer entediante assistir conversas — algo bem cotidiano — alguns fatores as tomam diferentes daquele nosso prosear diário:
1) Todos os envolvidos são engraçados, eles trabalham com isso. Está no sangue. Embora uma ou outra “entrevista” possa ser um pouco morna, acredite eles estão atentos e prontos para transformar qualquer situação cotidiana em piada. Ou seja, são conversadores melhores do que eu ou você.
2) Jerry, como eu disse, tem uma certa indiferença que somada a sua aparente ausência de ego (qual é, ele deve estar lá em algum lugar), tornam o programa em um “anti-tenho-desesperadamente-que-dizer-algo-profundo-e-inteligente”. Isso torna tudo tão assistível.
3) O programa é editado. Preciso dizer mais? Ah, sim tem aquelas pessoas… então, basicamente, a edição pode cortar todos os momentos chatos inevitáveis nas interações entre humanos, selecionando os momentos mais engraçados, constrangedores ou leves. Aí está o segredo, cortar os tempos mortos ou, pelo menos, usa-los da melhor forma possível.
No entanto, há um ingrediente extra. Na aparente trivialidade de tudo o que vemos e ouvimos, existe algo além, que pode muito interessar àqueles que ou lidam diretamente com a comédia ou, como eu, gostam dela um pouquinho demais da conta. No dito se pode pescar verdadeiros insights sobre o humor e a arte de fazer rir. No não dito, se pode observar comediantes em ação, quando improvisam uma piada ou, em outros casos, intervém um na piado do outro, estendendo mais um pouco o efeito cômico de um comentário engraçado ou banal.
Antes de encerrar o texto. Devo lembrar que a seleção de convidados — tão variados — parece abarcar comediantes de todas as gerações, de veteranos como Don Rickles (o rei dos Roasts, como se pode ver nesse vídeo ou neste) , Mel Brooks, Carl Reiner e Jerry Lewis; passando por nomes como Eddie Murphy, Jim Carrey, Steve Martin e Martin Short; até chegar a uma geração mais recente com Kate McKinnon, Melissa Villaseñor, Seth Rogan e Kristen Wiig. Mas de longe os melhores episódios são os que Jerry se encontra com antigos colaboradores ou amigos, Larry David, Julia Louis-Dreyfus, Michael Richards (depois de ter se afastado do show business por um tempo), Ted L. Nancy, George Wallace etc.
Ver um grupo tão eclético de convidados, me deixa fascinado com a capacidade da comédia ser tão multifacetada, ao mesmo tempo que se metem essencialmente imutável. Ao assistir todos os episódios e poder ouvir todas essas conversas, noto que algo, para além do humor, parece unir essas pessoas tão diferentes e estranhas. Um certo “je ne sais quoi” que é bem misterioso, que, imagino eu, seja a capacidade de encontrar algo interessante em pleno nada.