Um dos acontecimentos artísticos mais marcantes de 2012 foram as comemorações do centenário de Luiz Gonzaga. O Rei do Baião foi justamente homenageado, e durante todo o ano foi fácil ouvir, ver e ler sobre sua vida e sua obra na grande mídia, que — como em raras ocasiões acontece — cumpriu seu dever social de formar e informar. No Rio de Janeiro, cidade onde vivo, aconteceram séries de shows, musicais e peças de teatro inspiradas na trajetória do artista. A cereja do bolo foi o bom filme de Breno Silveira, “Gonzaga – de pai para filho”, que tendo como fio condutor a conturbada relação entre Gonzagão e Gonzaguinha, presenteou o público com a história de dois grandes compositores em uma só tacada. Para um músico e entusiasta de nossa cultura como eu, foi bonito ver um artista da importância de Luiz Gonzaga ser celebrado e apresentado às novas gerações.
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Tenho certeza que muita gente conheceu melhor sua obra com todo esse movimento em razão do centenário, e é pra isso que servem tais homenagens: manter viva a obra de artistas que fizeram de nossa música a maior e mais plural música popular do mundo.
No entanto, muitos outros centenários de nossa música popular já aconteceram, e a maioria deles foi lembrada apenas discretamente, ou mesmo passou em branco. Pois é, dizem que o brasileiro tem memória fraca… Seja essa amnésia uma condição endêmica de nosso país ou simplesmente uma frase de efeito inventada pelo Arnaldo Jabor, aqui vai uma pequena lista de artistas que já completaram cem anos de nascimento, pra refrescar nossa memória.
Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Nascida há 166 anos.
Pianista, regente e compositora. Destacou-se não somente pela sua arte, mas por sua postura libertária diante de uma sociedade machista e conservadora, participando intensamente das lutas políticas de sua época. “Abre-alas” (“Ó abre-alas, que eu quero passar…”) é sua música mais famosa, e continua na boca do povo mais de cem anos depois de composta.
Ernesto Nazareth (1863-1934). Nascido há 150 anos.
Pianista e compositor. Um dos maiores nomes do piano brasileiro, traduziu para seu instrumento o balanço e a malícia da então incipiente música do chorões, e é um dos principais nomes do gênero. Dentre suas composições destacam-se os choros “Odeon”, “Brejeiro” e “Apanhei-te cavaquinho”. 2013 é o ano de sesquicentenário de Nazareth, e já está no ar desde o ano passado o site “Ernesto Nazareth 150 anos” que disponibiliza partituras de todas as composições do pianista, além de vasto material como fotos, textos e muito mais sobre o artista, tudo muito bem editado e organizado, um trabalho primoroso. Tomara que as homenagens não se limitem ao site.
Pixinguinha (1897-1972). Nascido há 116 anos.
Flautista, saxofonista, arranjador, regente e compositor. Simplesmente o maior artista já surgido na música popular brasileira. Sua obra consolidou a identidade de nossa música e permitiu o seu desenvolvimento. Se não houvesse Pixinguinha não haveria Cartola, Tom Jobim ou Chico Buarque. Sua importância pode ser bem resumida pela frase do historiador e musicólogo Ary Vasconcelos: “Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco; mas, se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido: escreva depressa, Pixinguinha.” Autor de centenas de choros, sua música mais famosa é o “Carinhoso” (“Meu coração/ Não sei porque/ Bate feliz/ Quando te vê…”), com versos de Braguinha, uma das canções mais gravadas do Brasil.
Ary Barroso (1903-1964). Nascido há 110 anos.
Pianista e compositor. O principal nome do chamado “Samba-exaltação” (samba de cunho nacionalista e ufanista, muito comum no período do Estado-Novo de Vargas), Ary Barroso foi um dos mais famosos compositores de sua época, e manteve intensa carreira no rádio, inclusive como apresentador de programas e até locutor esportivo. Sua música mais famosa é “Aquarela do Brasil” (“Brasil, meu Brasil brasileiro/ Meu mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus versos…”). Atualmente está em cartaz no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, um musical sobre a vida de Ary, estrelado por Diogo Vilela.
Lamartine Babo (1904-1963). Nascido há 109 anos.
Compositor. O maior autor de marchinhas de carnaval. Compôs hinos para os onze times de futebol que participaram do Campeonato Carioca de 1949 (reza a lenda que escreveu todos num só dia…): Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo, América, e outros; muito embora alguns clubes tenham seus hinos “oficiais”, os hinos de Lamartine ficaram gravados no coração do torcedor de tal forma que se tornaram os definitivos do futebol do Rio.
Cartola (1908-1980). Nascido há 105 anos.
Cantor e compositor. O maior nome do Samba. Um dos fundadores da Mangueira, teve vários de seus sambas gravados na década de 1930, mas acabou sumindo do cenário musical carioca, somente reaparecendo na década de 1960. O fim de sua vida foi a fase em que teve maior reconhecimento artístico, gravando seu primeiro disco solo em 1974, já sexagenário. “As rosas não falam” (“Queixo-me às rosas/ Mas que bobagem as rosas não falam…”) é sua obra mais conhecida.
Noel Rosa(1910-1937). Nascido há 103 anos.
Compositor, cantor e violonista. Um dos responsáveis pela consolidação do samba urbano carioca, seus versos foram verdadeiras crônicas da vida boêmia do Rio de Janeiro da década de 1930. Morreu muito jovem, antes mesmo de completar 27 anos, vítima de tuberculose, e deixou mais de 200 músicas. “Com que roupa?” (“Com que roupa eu vou?/ Pro samba que você me convidou…”) é sua canção mais famosa.
Adoniran Barbosa (1910-1982). Nascido há 103 anos
Compositor, cantor e ator. Se Noel Rosa foi o cronista do Rio de sua época, Adoniran fez o mesmo com a sua São Paulo, e é o principal representante do samba paulistano. Retratou sobretudo o trabalhador de origem italiana e morador da periferia, seja em suas músicas ou em suas participações como ator em rádio-novelas. “Trem das onze” (“Não posso ficar, nem mais um minuto com você…”) é o seu maior sucesso.
Na pequena pesquisa que fiz para este artigo, apurei alguns outros nomes centenários: Donga (1890-1974), Francisco Alves (1898-1952), Clementina de Jesus (1901-1987), Ismael Silva (1905-1978), Radamés Gnatalli (1906-1988), Braguinha (1907-2006), Carmen Miranda (1909-1955), Assis Valente (1911-1958), Nelson Cavaquinho (1911-1986). Uma pesquisa mais aprofundada certamente revelaria muitos outros nomes, cada qual com sua contribuição ímpar para nossa cultura. Infelizmente, lendo a lista é fácil perceber que as homenagens a Luiz Gonzaga foram uma exceção, num país onde o que não falta é gênio pra ser exaltado.
Nesse ano de 2013 há pelo menos dois centenários: o de Wilson Batista (1913-1968), grande nome do Samba, contemporâneo de Noel Rosa, e o de Vinícius de Moraes (1913-1980), o “poetinha”, principal letrista da Bossa Nova, parceiro de Tom Jobim em “Chega de saudade”, “Garota de Ipanema” e outras. Será que a mídia e o povo vão explorar (no melhor sentido da palavra) esses nomes com o devido respeito e profundidade? Ou estaremos mais preocupados em saber quais estrelas estrangeiras estarão no Rock in Rio?