RUBY SPARKS

Os dedos corriam pelas teclas. Ela não podia imaginar. Era a primeira vez que se atreveu, em toda sua carreira de escritora, a escrever um romance erótico. Não sabia se a editora iria gostar ou se ia de fato publicá-lo. Primeiro se preocupou apenas em deixar as ideias descerem e não descartá-las imediatamente. Apesar do pavor de se descobrir menos Hilda Hilst e mais livro de banca de jornal. Mas escrever tinha um certo sabor como de perder a virgindade, muito diferente da sua verdadeira primeira vez tão dolorosa e envergonhada. Nessa, ela tinha o verdadeiro prazer de descobrir sobre si uma coisa nova. Era também, pra sua surpresa, a saída de um longo período de bloqueio criativo. Aquele jorro de palavras úmidas que ia se abrindo no papel era especialmente gostoso por ser a prova do retorno da sua criatividade. E ela sentia muita falta da sua criatividade. Mais do que da sua família, mais do que o sexo — que não fazia há quase um ano —, mais do que do amor. Era uma pessoa que se auto declarava “uma eremita”, convencida de que desde que estivesse criativa poderia suportar anos e anos de pandemia em perfeita solitude. Poderia suportar a morte. É assim a estúpida ilusão de alegria — bem burguesa — que sentia. Obviamente uma ilusão, afinal entre entre pensar e conseguir, sabemos, existe um abismo profundo. Quer dizer, no entanto, neste caso em particular, pensar e conseguir parecem encontrar uma trégua mágica. Mas não do modo que ela esperava. Enquanto corria os dedos no papel, tentando desesperadamente falar de um mundo, tentando retornar ao sexo pelas páginas, ali enquanto tentava, a vida lhe guardou uma surpresa. O extraordinário pode aparecer como um pequeno Deus a lhe pregar peças muito estúpidas.

No romance que escreve, uma mulher — outra, com um nome que a salvava de sensação de escrever sobre ela mesma — estava presa em seu apartamento e recebia uma encomenda por engano. Dentro da encomenda havia um vestido vermelho, algumas fotos reveladas de um homem nu, uma calcinha e um bilhete onde lia-se: ‘Você arruinou a minha vida e no processo de começar a esquecê-la, eu lhe dou essas merdas sedutoras que você deixou pra trás.” A mulher do romance recebe a encomenda e veste o vestido vermelho — que lhe serve perfeitamente — e fica feliz de brincar de ser alguém capaz de ter destruído o coração de um homem. Um homem lindo. As fotos, que ela olhava com muita vergonha, eram lindas. Ele deitado na cama entre lençóis amarelos, a mão segurando o lustroso pau, a boca entreaberta num sorriso gracioso, as coxas e pernas peludas. Ou na outra, ele com o rosto entre dois joelhos, sério, ameaçador. Ela se masturbou com o vestido e as fotos. Corria com as mãos ávidas na buceta, quando foi interrompida pela campainha. Ela caminha até a porta e ao abrir se surpreende com uma mulher. A mulher tem a cabeça raspada, brincos bonitos na orelha, olhos lindos e diz: “Gostou do meu vestido?”.

A autora segue, escreve mais algumas linhas sobre a chegada da dona de vestido, seus desdobramentos, as duas acabam se pegando, aquela coisa. Já devia estar duas páginas à frente quando toca a campainha do apartamento da escritora — sim, no seu mundo real de escritora. Pelo olho mágico vê seu porteiro deixando uma caixa na frente da porta. Ela desconfia, corre para abrir e encontra: um vestido, uma calcinha, as fotos deliciosas e o mesmo bilhete. Ela se senta diante da caixa assustada. Não consegue nem se excitar. Se pergunta se alguém anda lendo o que ela escreve e está de sacanagem com a sua cara. Depois tenta-se convencer de que é uma escrota coincidência. Mas não é possível. Se pergunta se desenvolveu algum dom de psicografar a vida. Anda de um lado pro outro, ansiosa. Olha as fotos, o homem é ainda mais lindo do que era em sua cabeça. Passam-se alguns minutos, a campainha toca outra vez. Ela treme. Espia pelo olho mágico: é a mulher de cabeça raspada. Não abre a porta. Mas a mulher insiste tocando inúmeras vezes a campainha. “Eu não vou embora! Eu sei que você está aí com meu maldito vestido!”. Num desespero, a autora foge para seu computador. Afinal, de todas as tramas que poderia escrever por que estava se metendo com um homem destruído, tentando caber em roupas de outra mulher? Apagou as linhas todas. A mulher na porta foi embora imediatamente. A escritora respira fundo e recomeça.

Neste ponto, você que me lê não vai ser capaz de acreditar, mas a autora começa a escrever sobre você. De todas as pessoas que ela poderia escolher inventar para encontrá-la, ela escolhe justamente você. Apresenta você como protagonista, suas principais e adoráveis características, seus maus hábitos, seus pequenos vícios de linguagem, seus pensamentos idiotas e também os mais brilhantes. Discorre em seguida um pouco sobre o início da sua vida, escreve sobre o seu passado — afinal, penso que o passado constitui parte da deliciosidade de uma pessoa — e ela escreve o seu. Sua família, onde você viveu na sua infância, a primeira vez que alguém lhe abraça, a música que você mais gostava, aquilo que você morria de vergonha. Depois fala da sua trajetória amorosa e sexual – ela tem uma abordagem meio freudiana – descreve tudo de sexual que considera importante para sua maturidade, assim como dá tons carinhosos para todas as pessoas que você gostou, amou, magoou, sofreu, sonhou. Gosta de pensar que você não tem dores insuperáveis ou obsessões por outro alguém. Ela não tem como saber de tudo, totalmente. E claro que ao inventar você para ela, ela inventa um “você” que poderá amá-la. Preservando parte do que considera um mistério necessário entre vocês. Não quer saber de tudo assim de supetão. Mas quer começar com uma lúdica intimidade. Uma intimidade que ela descreve antes mesmo de chegar no ponto em que você a encontra. Para ela, numa visão um pouco romântica, existe algo que antecede as paixões e o desejo, algo em comum que já estava lá e que dá a sensação ingênua de conhecer alguém e reconhecer algo. Ingênua, ela sente que quando você a encontrar vai ser como se pudesse reconhecê-la dos seus sonhos, como se todos os antigos fantasmas que habitam o mundo perdessem seu precioso tempo imortal pra sussurrar em seu ouvido: “Agora sim”.

Então, a autora, já encantada e também molhada com a imaginação que faz de você, chega – e nós chegamos – ao ponto em que escreve sobre quando você a encontra. Você lia um romance – ela escreve – onde de súbito percebeu que se tratava de história da sua vida. Queremos tanto, tantas vezes, que nossa vida saía da arte, mas de repente, você se pegou com a sua vida sendo contada na arte de alguém. Sem nenhum pudor, do contrário, com certo brilho e certa graciosidade. Era uma versão de você melhor do que – talvez – você tivesse sobre si. Quando leu sobre como ela descrevia seu corpo, as dobras, as marcas, os fios, a boca, o nariz, as orelhas, os dedos, o umbigo, até você se excitou tamanho o tesão que ela tem no olhar por você. Independente de qual o momento que você estava na sua vida, uma curiosidade safada apareceu. Como uma voz que diz: “Como é possível? O que ela sabe sobre mim que eu não sei? O que ela quer de mim?”. Você se pergunta se não é uma bobagem, pensa que muito dificilmente algo sairá disso, que talvez devesse processá-la pela forma tão cruamente fiel que ela descreve seu sexo e sua intimidade. Decide não continuar lendo. Mas a inquietação não cessa, você não consegue esquecer do que leu, dorme todas as noites pensando nisso, mesmo que nem sempre admita. Se pergunta se ela vai contar sua vida inteira, se ela sabe como termina e quando. Se é um tipo de oráculo bem vulgar e apaixonado pela pessoa que o interroga. E um oráculo que é apaixonado por você não deve servir muito como oráculo, mas ainda sim o medo da morte começa também a crescer. Abre e avança na história, mas com medo de ir direto ao final, encontra o momento que você a conhece. Lê as quatro primeiras linhas, seus olhos se enchem de lágrimas, você para e corre para procurá-la. Esquece da morte depois de ler o que ela escreveu. Procura o número da editora, pede incansavelmente o contato da autora para uma secretária com a voz rouca. Mas a secretária não lhe passa. Como você irá conhecê-la? Aquelas palavras, aquela história de vocês vai ficar lhe assombrando. Você odeia ela um pouco por ter embaralhado assim a sua vida e traçado um futuro do qual você sente que não pode se livrar. Quer escapar e, ao mesmo tempo, tem medo que nunca se realize. Você decide que prefere que ela lhe decepcione de algum modo, que ao olhar em seus olhos, não signifique nada. Mas – mesmo que para não significar nada – você precisa encontrá-la, chegar correndo. Quer descobri-la no seu escritório com o teclado e os lindos dedos que roubaram sua história, quer pegá-la no pulo escrevendo — talvez — sua morte ou algo ainda melhor. Precisa tomar de volta de alguma forma a sua narrativa.

Estava nesse frenesi nervoso, andando de um lado para o outro, com fantasias esdrúxulas dessa mulher desconhecida com seu teclado dos infernos lhe agitando os pensamentos e começando a lhe excitar. Pensa no estereótipo da autora, viril e lasciva, diante das letras com as pernas abertas. Como se as palavras saíssem da buceta, como se a buceta controlasse os dedos, como se a sua boca estivesse sempre salivando e chamando o seu nome. O nome que guarda a ideia de você e que agora vive aprisionado na boca dela. O tesão vem como uma corrente invencível que lhes une. Você quer se tocar com aquela imagem da autora e pelo fascínio que ela tem por você. Coloca sua mão entre as suas pernas, seja pau ou buceta que a aguarde, está surpreendentemente ereto ou úmida. Pensa que se tocar pode ser, neste caso, como uma invocação, um chamado para que ela lhe encontre.

Você está se masturbando esperançosamente quando ouve alguém gritar seu nome pela janela ou quem sabe é como se seu nome despencasse do céu. Deu certo, não conhece a voz, mas sabe e sente que é a voz dela. Dito e feito, vem o reconhecimento amoroso e a sensação dos fantasmas soprando em seu ouvido: “Vá olhar! Tire as mãos daí e vá olhar!” e você olha. Ela está lá, no meio da rua, em um vestido vermelho, a máscara tapando a boca, os olhos cintilando. Ela roubou o carro pra lhe encontrar — esse é o problema de escrever a vida, você pode começar a inventar descaradamente coisas como uma escritora que rouba carros em seu vestido vermelho sedutor para raptar pra si um leitor ou leitora ou leitore — e ela fica esperando ao lado do carro roubado, parada com os cabelos soltos desgrenhados, com o rosto de quem está fugindo ou perseguindo desesperadamente algo. Você sabe o que deve fazer. Uma sensação de cumplicidade avassala você. Faz uma pequena bolsa, com algumas roupas, o que você tem – se tem – de dinheiro, o que você tem – se tem – de drogas e desce. E se pergunta: ‘O que está acontecendo com minha história? Ou melhor, com a nossa história?” – você ousa pensar.

Vai até ela no meio da rua, entra no carro, ainda não trocam nenhuma palavra. Entram apressades pra viver, como já estava escrito antes. Ela acelera e então toca com uma das mãos na sua coxa. Um gesto perigoso para quem dirige um carro. No entanto, serena, com uma das mãos ela segura sua coxa, acariciando com ternura para depois enfiar as unhas na sua perna. Você nota que ela abre um sorriso. Um sorriso luminoso, que deve ser o mesmo sorriso roubado de todas as melhores histórias que a humanidade já contou sobre paixões inesperadas, o primeiro e radiante e insuperável sorriso de amantes. Que só não é mais forte que a maldita mão na coxa, subindo lentamente, cada vez mais próxima de lhe tocar lá. Você quer perguntar onde estão indo, vê apenas o carro veloz adentrando a noite na direção de uma estrada vazia, mas – contrariando suas próprias ideias – você não diz nada, segura a mão dela e a beija docemente. Quer um cumprimento mais profano numa pandemia que beijar as mãos de uma estranha? Sim, pois em seguida chupa os dedos dela enquanto ela dirige. Um a um, chupa os preciosos dedos do talo às unhas. Procurando encontrar nos dedos dela o seu gosto. Vê as luzes dos postes iluminando seus rostos, passando feito flashes. Vê a boca dela saindo do sorriso tão radiante para um o lábio tímido tentando conter o primeiro gemido. “O primeiro gemido é o que dá o tom de tudo”, ela lhe diz. O silêncio finalmente foi rompido. O diálogo que vem a seguir se dá todo em italiano, depois em russo, depois em francês e por fim em coreano. Você não entende como fala assim tão fluentemente, nem como ela diz assim tão fluentemente tantas línguas estrangeiras — Nós, aqui e agora, já não conseguimos entender —, mas o diálogo é delicioso. Choram e riem e se estranham como amigues de infância, com a estranheza que só temos por quem mais amamos. Você se estica e beija o canto da boca dela. Sente seu lábio tocar pela primeira vez o lábio dela, ela em seguida abre a boca, você consegue pelo canto enfiar a língua. Quando as línguas se tocam, o carro para bruscamente.

Estão diante de uma enorme praia deserta que você nunca conheceu. Você não lembra quanto tempo se passou e aquele cenário deserto lhe assusta. Ninguém mais para ver ou ouvir. Até que ponto poderá saber se as coisas são reais? Pela janela do carro sentem a brisa forte e fria com cheiro de mar. O vento arrepia sua pele, não existem casacos. A escritora se vira na sua direção, segura seu rosto com as duas mãos quentes e beija sua boca. O beijo que deveria aquecer lhe arrepia ainda mais. Você diz que está com frio, ela tira o vestido vermelho e lhe entrega. Você percebe que ela estava nua o tempo todo, que dirigia todo esse tempo sem calcinha, sem nada. Vê primeiro os dois peitos agora expostos na penumbra. A lua é a única luz que vai revelando, cerimoniosa, o corpo dela. Revela como um holofote natural que passeia junto com o seu olhar. Começa descendo pelos peitos ligeiramente tortos, pela barriga com o umbigo fundo, até – finalmente – iluminar a buceta meio aberta como naquele quadro – uma buceta que poderia ser a origem, não do mundo, mas do desejo – e seu olhar segue descendo. Quer olhá-la inteira ou talvez ela queria que você a olhe inteira e por isso escreve. Por vontade própria, ou por obrigação narrativa, você segue pelas coxas relaxadas no banco, mas que contraem só com sua observação. A observação muda até mesmo os átomos e ela muda através dos seus olhos. O sangue que corre nas veias dela agora desce todo pra buceta ou sobe, se você pensar que pode ter começado pelos pezinhos delicados de unhas pintadas. Você pousa o vestido dela no banco de trás, nisso ela se ergue, meio de quatro, virada com o rosto pra você e a bunda pra janela. Seu coração acelera. Agora você é objeto de toda a atenção. Você se paralisa. O semblante dela é um tanto ameaçador como o de uma felina. Ela segura sua camisa com suas patas, ou talvez garras, se preferir mãos, e a tira devagarzinho. Mete a cabeça quase embaixo do tecido enquanto ele sobe. Vai com os lábios molhados passeando na barriga com beijos e mordidinhas. Sobe até os mamilos, os lambe também. Sente sua pele arrepiada com a ponta da língua, vai melando um pouco tudo até a camisa cair no chão do carro. Ela então vai descendo no seu corpo procurando os limites da barriga de encontro com sua roupa íntima — calcinha ou cueca, bonita ou velha, não interessa —, ela puxa com a boca e espia excitada o pau ou buceta que tanto já desejava, que tanto escreveu sobre e que agora existe diante dela. “Isso é também um tipo de milagre”, vocês pensam em uníssono. Você abaixa tudo, termina aquele strip, sente pressa. Quer logo entregar tudo, aceitar tudo. Que ela roube seu nome, que sugue suas ideias, foda-se : você quer que ela lhe chupe, agora, incansavelmente. Mesmo sem saber se este exato pensamento foi plantado por ela, mas não nos entregamos tantas vezes às ideias de outres? Pelo menos aquela era deliciosa e estava ali nua, sedenta por você. Parecia quase babar, tentando se equilibrar de um banco pro outro no carro apertado. “Me chupe”, você urge. Ela acata, apoia os braços ao lado das suas coxas no banco e desce pras suas pernas com a boca aberta. Feito uma felina mansa. Ela lhe chupa de um ângulo que você apenas vê suas costas, a bunda balançando e a praia no fundo. O mar batendo sereno na costa lhe leva para uma espécie de transe. A bunda empinada pra lua. Você passa as mãos pelas costas da autora, ela lhe suga e lambe com devoção. Você treme no banco do carro, agora tudo se tornando um tanto úmido. A brisa não dá mais conta, a atmosfera é como de uma pequena sauna. Os rostos e corpos suados, o para-brisa embaçando. Você tem a sensação de ver palavras se escrevendo pelo vidro, como versinhos sacanas de fantasmas. Ela lhe chupa agora mais ávida, com mais velocidade, tudo é molhado, a boca dela desliza, afunda, enquanto a língua dela faz carícias inimagináveis. Você sente que se continuarem nesse ritmo, você terá um orgasmo em breve. Está gemendo cada vez mais e mais alto. Mas você quer mais dela, precisa de mais do que ficar só escorrendo naquela garganta. Você puxa ela pra cima de você. Batem os joelhos, embaralham as pernas, é uma ação um tanto desengonçada, mas há ainda um charme. A cabeça dela quase bate no teto, mas ela consegue sentar em cima de você no banco. Você inclina o banco para trás a fim de ganhar mais espaço. Os peitos dela se sacodem, os cabelos dela estão quase grudados na cara de tanto suor. Você a segura pelo quadril, apertando sua bunda, ela começa a rebolar pra você. Sente a buceta quicando, se esfregando, engolindo. O suor escorrendo. Você a agarra beijando sua boca toda molhada. Morde o lábio dela, agarra com toda força, grudando seus corpos, pele com pele até ficarem quase imóveis, só sentido a pressão dos corpos encaixados. Porém o calor agora beira o insuportável, o banco quase machuca suas costas. Ela sussurra: “Vem me fuder na praia.”

Ela se levanta e sai pelada do carro. Você sai em seguida. O vento está mais forte. Ela segura na sua mão e correm em direção a praia. O mar é calmo como uma enorme lagoa, o céu é estrelado. Ela diz que quer mergulhar na água, mas você a interrompe: “Não. Eu quero fuder com você agora.” Ela fica séria e lhe empurra na areia. Você puxa ela pelas pernas. A escritora cai ao seu lado às gargalhadas, as pernas pro alto, a buceta e o cu graciosamente virados pro céu. Você sobe sobre ela, beija os seus pés erguidos, beija também as coxas. “Você consegue pôr os pés na cabeça?”, você pergunta. “Conseguia na infância, mas com você consigo quase qualquer coisa”, ela lhe responde e coloca os pés grudados nas orelhas. Você só contempla aquela imagem por um minuto. Depois desce beijando-a até o cu. Faz cócegas, ela ri ainda mais. Você beija a bunda dela, sente as pernas relaxando e pousando nos seus ombros. Então mete os dedos em sua xota, sente a buceta toda pulsar, ela para de rir e lhe puxa pelo pescoço. Lambe sua cara e lhe dá outro beijo, agora muito apaixonado. Você deda ela devagar, tocando com o polegar no seu clitóris. Ela crava as unhas em suas costas e começa a gemer. Você a deda mais, ela passa a falar seu nome, saborear seu nome até ele começar a perder o sentido dentro da boca de gemidos dela. Você esfrega o rosto nos peitos da escritora enquanto a deda mais e mais, ela se toca. A mão dela e a sua se esbarrando, dividindo assim sua buceta molhada. Você chupa o mamilo salgado. Agora a pele dela é toda sal. Você sente o mar bater nos seus pés, mas continua. Seus joelhos se arranham na areia, mas quem se importa. Se buceta, você se encaixa entre as coxas dela para roçar xana com xana até não poder mais. Se pau, você mete nela bem devagar e firme, bem no fundo, até não aguentar mais. A maré vai subindo. Quanto mais roça e mete, mais o mar sobe lambendo pernas e bundas e costas. Mas você sabe que não irão se afogar antes do orgasmo.

Chegam naquele ponto em que talvez até para uma escritora — como ela e eu — as palavras vão se tornando desnecessárias ou até insuficientes. O prazer toma frente e domina tudo. Assalta a autoria. Fecham os olhos. Gemem e se chamam pelo nome cada vez mais baixinho. Talvez seja possível agora dar uma chance para o desconhecido. Talvez seja possível agora dar vez ao mistério, negar a descrição delirante do orgasmos que arrebata vocês — talvez porque eu também o invejo. Penso que gozar assim se parece com a paixão. Dá vontade de apenas permanecer pra saber o que vai acontecer. Mesmo que, às vezes, a gente saiba um pouco o que acontece. Ou então, me diga você quem me lê: O que esperar depois da paixão? Mas diga logo, pois de manhã vem o sol e as sirenes, vem uma raposa e os passarinhos, vem a desconfiança se alastrando como uma mancha de café na página, vem uma multidão de personagens ignorades querendo levar a autora embora dos seus braços e o pior: vem o final do conto. A tão temida pequena morte súbita. Estou tentando ao máximo adiá-la, mas é inevitável. As personagens arrancam ela pra longe, sua pele arranhada de areia. Foi você quem roubou a autora?

FIM.

* * *

Ilustradora:

Rayane Damasceno

Estudante de pintura na UFRJ, artista e pesquisadora, envolvida com experimentações de diferentes materiais dentro e fora do universo artístico e agora se envolvendo com o ramo da ilustração.

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Julia Limp
Julia Limp
É artista multifacetada. Tem casa no teatro, onde está em formação, mas já trabalha profissionalmente precocemente como atriz e diretora. Tem quintal na música, onde canta, compõe e tem algumas coisas já gravadas e crescendo em direção ao mundo. Mas fez cama na palavra, com quem se deita e tece prosa, cada vez mais perigosa e úmida. É muito surto e muito afeto, trabalha com muito tesão e às vezes com raiva. Pode morder, mas esperamos que só de sacanagem.

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