A revolução audiovisual de Michael Jackson

A trajetória de MJ para se tornar uma das principais referências em criação de videoclipes para a música pop

Ao mesmo passo que Michael Jackson foi certamente uma das figuras mais controversas no universo das celebridades, se consagrou também como um dos mais importantes artistas da música pop até hoje. A revolução artística que Michael trouxe para suas produções ultrapassou a esfera musical, tornando-se uma referência para o cinema e especialmente para a dança, trazendo e fazendo grandes nomes dentro da indústria audiovisual.

Com 6 anos de idade, Michael começava, com seus irmãos, o “The Jackson 5”, aos 8 anos, se tornava o cantor principal e aos 11, — já contratados pela Motown — a banda lançava “ABC” e “I Want You Back”, dois hits implacáveis, ambos com primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos.

Em 1976, já construindo uma carreira de sucesso e em uma nova gravadora (Epic), o “The Jackson 5” passava a se chamar apenas “The Jacksons”. Estreando Michael Jackson e seus irmãos nas produções musicais audiovisuais, a música “Blame It on The Boogie” teve um clipe típico da era disco com os efeitos visuais, danças e figurinos clássicos da época.

Dois anos depois, após a composição e interpretação de alguns hits de sucesso pelo “The Jacksons”, Michael foi convidado para participar do filme “The Wiz”, um musical que fez uma releitura do clássico “O Mágico de Oz”, contando a história de uma professora negra do Harlem — representada por Diana Ross —, que é pega por um ciclone enquanto corria atrás de seu cachorro e vai parar na Terra de Oz. Michael fazia o Espantalho (Scarecrow).

The Wiz foi crucial para a trajetória de Michael, não só por ser sua primeira performance no cinema, onde brilhou como dançarino, cantor e ator; mas também por ter sido na produção do mesmo, onde Quincy Jones diretor musical de The Wiz e um dos mais importantes produtores musicais da indústria americana até hoje conheceu Michael Jackson e dali se iniciou uma das parcerias de maior sucesso na história da música pop do último século. Foi junto com Quincy Jones que Michael produziu Thriller e outras grandes obras de sua carreira.

Michael Jackson e Quincy Jones
Michael Jackson e Quincy Jones

Quincy Jones foi o produtor musical do primeiro álbum solo de Michael, “Off The Wall” (1979), que não só foi aclamado pela crítica e pelo público, como foi nomeado para dois grammys, levando o de melhor performance masculina de R&B. “Dont Stop ‘Till You Get Enough” e “Rock With You” foram sucessos, e tiveram seus videoclipes no mesmo ano. Ainda sem trazer novos elementos, ambos são videos com uma estética disco convencional, com figurinos e efeitos visuais marcantes da década de 80. 

Mas foi em “Thriller” (1982) que tudo mudou. Já no primeiro videoclipe do álbum, “Billie Jean” (dirigido por Steve Baron), se vê uma obra audiovisual de teor completamente diferente do que Michael já havia lançado. O clipe apresenta uma narrativa e como muitas vezes se repete no desenrolar de sua carreira coloca o cantor como uma figura mítica, com poderes sobrenaturais no meio de pessoas normais. Em “Billie Jean”, Michael fica invisível em fotografias e tem a capacidade de desaparecer, além de iluminar os ladrilhos do chão quando passa. 

“Billie Jean” foi um sucesso, e é considerado o motivo pelo qual a MTV se tornou o fenômeno que foi, dentro da indústria do entretenimento não só isso, ele também evitou que o canal, que na época se mostrava um mal investimento para seus executivos, fosse cancelado. A emissora tinha pouco mais de 1 ano, era focada em rock ‘n’ roll e seu conteúdo era praticamente exclusivamente branco. A MTV se recusou a transmitir o clipe e só aceitou coloca-lo no ar depois de severas ameças da Epic, gravadora de Michael, que prometia tirar o direito do canal de reproduzir o material de qualquer um de seus artistas, e fazer uma exposição pública de discriminação racial. Depois da primeira transmissão de “Billie Jean”, o álbum vendeu mais dez milhões de cópias, e a MTV passou a ganhar atenção do público mainstream ainda que anos mais tarde tenha cometido o mesmo erro, ao resistir a abraçar a cultura hip hop e seus videoclipes inovadores

Clipe de “Billie Jean”
Clipe de “Billie Jean”

Alguns meses depois, Michael lançava o clipe de “Beat It”, que o consagrava como um artista pop internacional. Dirigido por Bob Giraldi, “Beat It” já abusava de elementos cinematográficos — especialmente do gênero musical — com um prelúdio que contava uma história, além de grandes coreografias com muitos dançarinos e traços narrativos presentes na direção de arte, na dança e na performance dos bailarinos. Novamente, Michael aparece como um ser “especial”, dessa vez quase heroico, separando uma briga de faca entre duas gangues e unindo todos numa mesma coreografia. Para isso, Michael propôs uma audição com dançarinos que realmente pertencessem a gangues rivais de Los Angeles — Creeps e Bloods —, de forma que a rivalidade existente no clipe, de fato era presente tanto nos sets de filmagem e quanto vida real.

Finalmente, no dia 2 de Dezembro de 1983, era lançado o filme que mudaria para sempre os paradigmas para produção de videoclipes, se tornando uma das maiores referências de audiovisual para a música pop. Mais do que um clipe, “Thriller” é um curta-metragem de terror, com diversas referências da cinematografia do gênero, que combina uma revolução em efeitos especiais para a época, uma inovação em direção de arte e coreografia e mais uma vez um pioneirismo na introdução de características e propostas narrativas típicas do cinema dentro dos videoclipes. 

“Thriller” foi dirigido por John Landis, que foi convidado por Michael depois de lançar seu filme “Um Lobisomem Americano Em Londres” (1981). Michael gostava do filme por ser um terror que também era engraçado. John então propôs a produção de um curta, ao invés de um videoclipe com a duração da música. “Thriller” parodia alguns filmes b de terror clássicos dos anos 50 — com influências em obras como “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) e “A Companhia dos Lobos” (1984), e coreografias inspiradas no “Fantasma da Ópera” (1986). Novamente, Michael aparece como uma figura lendária, se transformando em lobisomem no meio de zumbis.

Michael Jackson e John Landis
Michael Jackson e John Landis

“Thriller” foi um marco tão grande que até hoje é relido, referenciado e parodiado em diversas outras obras. Desde a maquiagem, o figurino, até as performances, as danças e a inovação narrativa e técnica, tudo na obra é extremamente inventivo em comparação ao que era produzido naquele momento. Em “Rodeo” de Lil Nas X, há referências evidentes a “Thriller”, afirmadas pelo próprio artista. Tanto no conceito quanto na estética, Lil Nas buscou exatamente o que Michael buscava em 1983, brincar com efeitos visuais possíveis em suas respectivas épocas para contar uma história de terror. 

Em “Thought Contagion”, a banda Muse também se inspira abertamente na obra de Michael para contar uma história de terror. Além de repetir elementos presentes em “Thriller”, como o carro em uma rua escura, os olhos vermelhos, a transformação dos outros em volta em monstros. A principal diferença é a perspectiva do protagonista, que não é a do monstro mas sim a da vítima.

Até mesmo no hip hop brasileiro, “Thriller” teve sua homenagem. O cantor Batoré, atualmente Batz Ninja, fez uma releitura da obra em seu videoclipe “F.A.B”, onde praticamente todas as cenas do filme original são adaptadas em um cenário carioca.

No histórico clipe de “Bad Romance”, da Lady GaGa, — primeiro videoclipe feminino a alcançar um bilhão de visualizações no youtube — muitos críticos afirmam haver uma influência direta da coreografia dos zumbis de “Thriller”. Para além disso, toda a inovação na parte estética, direção de arte moderna e “monstruosa” evidenciam uma inspiração na obra de Michael. Em outros trabalhos como “Alejandro”, “Judas e “Telephone”, GaGa explora bastante a linha narrativa em suas criações audiovisuais. Não há afirmações da artista sobre as comparações, mas a própria já comentou publicamente diversas vezes sua admiração pelo trabalho de Michael Jackson.

Em 2013, “Thriller” ganhou um curta de stop-motion feito com lego realizado pela artista Annete Jung. Alguns anos depois, em “Michael Jackson’s Halloween” (2017), um média-metragem que termina no encontro dos protagonistas com o próprio Michael, “Thriller” teve sua adaptação para animação. 

Mas o sucesso de “Thriller” não parou a inventividade de Michael, que em 1987 lançava o álbum “Bad”, também produzido por Quincy Jones. Com a faixa que levava o nome do álbum, Michael produziu mais um filme-videoclipe, dessa vez de 18 minutos, dirigido por ninguém menos do que Martin Scorsese, escrito pelo novelista Richard Price e coreografado pelo próprio Michael. O curta, inspirado no filme “West Side Story”, conta a história do choque cultural entre o protagonista, Darryl (Michael Jackson), que termina os estudos e volta para sua antiga vizinhança e não é mais “malvado” como seu antigo grupo de amigos.

O famoso clipe de Beyoncé, “Formation”, foi bastante comparado a “Bad”, partindo do paralelo de histórias de vida de dois artistas que ascenderam e vivem dois mundos: o mundo de sua criação e o mundo que a fama e o enriquecimento lhes proporcionou. Ambos os artistas foram acusados de “embranquecimento” — no caso de Michael, de uma maneira muito mais complexa e especialmente individual — e como resposta fizeram obras com a mensagem de que de alguma forma ainda eram os mesmos, ou pelo menos que nunca perderam tudo aquilo que suas criações lhe ensinaram. Além disso, as coreografias de “Formation” conversam muito com as propostas por Michael e seus dançarinos no clipe de “Bad”.

Ainda em “Bad”, em 1988, o single “Smooth Criminal” também ganhou seu videoclipe de sucesso. Inspirado em “O Poderoso Chefão” (1972), e com referências a Fred Astaire em “The Band Wagon” (1953), Michael representa um gangster em um clipe meio ação, meio faroeste nos anos 30. No vídeo, os dançarinos e Michael performam o “inclinado anti-gravidade”, um passo marcante e que parece praticamente impossível.

Em 1988, Michael volta a ter uma aparição marcante no cinema, com “Moonwalker”, filme antológico que conta a história de Michael, lutando contra um perigoso traficante de drogas (interpretado por Joe Pesci) e seu exército de drogados para proteger três crianças. Durante o filme vemos uma série de clipes de singles do álbum “Bad”. Entre eles há o videoclipe de “Speed Demon”, feito como um vídeo promocional para a divulgação do filme e do álbum, onde animação e mundo real se misturam; iniciando uma tendência que apareceria futuramente em prestigiados títulos de Hollywood como “Uma Cilada Para Roger Rabbit” (1988) e “Space Jam” (1996).

Depois de uma série de grandes sucessos advindos da parceria de Michael com Quincy Jones, em 1991, Michael lança “Dangerous”, seu primeiro disco solo sem o produtor. O primeiro single do álbum foi “Black or White”, outro enorme hit audiovisual. Dirigido por John Landis, o mesmo criador de “Thriller”, o clipe de “Black or White” conta com a atuação de Macaulay Culkin — protagonista de “Esqueceram de Mim”, que na época acabara de ser lançado —, Tess Harper, Tyra Banks e George Wendt.

Na época, o clipe de “Black or White” causou bastante polêmica, tendo seus últimos quatro minutos censurados em diversas transmissões para a televisão, devido a repercussão do caso. Isso se deu porque no final do vídeo, personificando uma pantera, Michael faz uma dança extremamente expressiva com alguns movimentos “sexuais” que foram interpretados de maneira profundamente conservadora por parte do público. Além de destruir um carro e as janelas de um estabelecimento durante sua performance de pantera negra — certamente em uma alusão ao “Black Panthers Party” —, o que também traz um discurso político através do imagético que não resultou em uma repercussão positiva da obra.

Michael Jackson e dançarinas do clipe “Black or White”
Michael Jackson e dançarinas do clipe “Black or White”

“Remember The Time” foi outro single impactante de “Dangerous”, trazendo um cenário egípcio para a obra de Michael, com uma proposta totalmente diferente. Voltando as raízes de “Thriller”, neste curta-metragem a ideia foi brincar com uma estética extravagante e possivelmente caricata, se utilizando da comédia — dessa vez até de maneira mais evidente do que em “Thriller” — para contar uma história, e como sempre se utilizando do máximo de recursos de efeitos especiais disponíveis no momento. Mais uma vez, o personagem de Michael beira ao fantástico, com super-poderes que o distinguem dos seres humanos comuns — o que seguramente diz bastante sobre a forma como ele se via e se comportava.

“Remember The Time” foi dirigido por John Singleton e é estrelado por Eddy Murphy, Imam e Magic Johnson. Filmado nos estúdios da Universal no ano de 1992, o videoclipe foi transmitido em diversos canais, além de especiais de comédia da MTV.

Em 1995, Michael veio ao Brasil, acompanhado de Spike Lee que produziu e dirigiu o clipe de “They Don’t Care About Us” no Pelourinho (Salvador) e no Morro do Dona Marta (Rio de Janeiro). O clipe conta com a colaboração do importante e tradicional grupo musical baiano Olodum, além da população local que é parte fundamental da narrativa proposta.

Pouco tempo depois, Michael produziu uma segunda versão de clipe para a música que se passava em uma prisão americana, com coreografias poderosas de grupo e imagens impactantes de revolta ao redor do mundo. Essa versão foi censurada pela MTV, devido a “brutalidade das imagens” e se tornou muito menos conhecida que a versão brasileira, que tem uma proposta um pouco diferente.

Hoje, em 2020 — pouco mais de uma década após seu infeliz falecimento —, Michael se mantém como uma das principais referências para artistas, produtores e diretores de toda a indústria musical. É o grande ídolo dos grandes ídolos que a cultura pop tem em seu leque na atualidade, o que diz tudo sobre a importância e primazia de seu trabalho. “Thriller” para sempre será um marco na história do cinematografia musical. Michael definitivamente não foi uma das figuras mais coerentes que a fama e a mídia construíram, mas deixou um legado artístico indiscutível e estabeleceu um padrão de excelência quase inalcançável para a geração que o seguiu.

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Magdalena Vianna
Magdalena Vianna
Magdalena é roteirista, diretora de arte e produtora cultural. Criada nos palcos dos teatros cariocas, é filha de atores e sempre viveu e respirou a cultura do Rio de Janeiro. Apaixonada por todas as formas de arte, hoje aspira criar no meio audiovisual.

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