This is Us – Dá para lacrar sem ser chato?

Sempre que assisto This is Us fico querendo casar e ter um de monte filhos. Sonho com um marido maravilhoso tipo Jack e crianças crescendo bem traumatizadas assim como eu, você e os big three. Sério, tem como não amar a série?! A quinta temporada acabou de estrear em novembro desse ano e fãs ansiosos para entender os detalhes e caminhos da família Pearson estão por todos os cantos. Tentarei aqui desvendar algumas das razões de nossa paixão e de todo o sucesso da série. Já aviso que são muitas. Seu criador, Dan Folgeman, acumula acertos. Definitivamente o brilho da produção NBC não é em vão.

Começo pelo ponto principal: é uma estória de família. Não é difícil nos conectarmos. O nosso subconsciente está repleto de referências. Lembro, inclusive, de algo que ouvi numa palestra na Escola de Cinema Darcy Ribeiro que remete a aclamação da série. A professora Mônica Solon desvendou um enigma importante. Ressaltou que todas as estórias são de família, mesmo as que não aparentam ser. E são assim porque, possivelmente, entendemos o outro a partir de nós. E ninguém é filho de chocadeira, né? No fim, somos uma história de família.

This is Us é um dramão cheio de romance e acontecimentos. Aborda a relação de pais e filhos em diversas gerações, como os traumas de uns interferem nos outros e como eventos adversos podem mudar o curso da vida. A série é quase uma terapia de família prontinha para gente mergulhar.

Além do tema central, outro grande acerto é a forma como essa estória é contada. Como a narrativa é estruturada e como ela avança. Partindo de This is Us, eu poderia dar um curso inteirinho de roteiro. Como não temos todo esse tempo aqui, apresento os pontos principais. Primeiro de tudo, se você deseja se tornar um roteirista de sucesso crie mistério. Crie desejo no espectador de descobrir o que vem depois. O deixe obcecado. A verdade é que somos todos fofoqueiros. E essa série mexe com nosso desespero de descobrir as nuances da vida alheia.

A terceira temporada, por exemplo, já anunciava acontecimentos que nem a quinta ainda conseguiu explicar direito. Segurar o espectador pela curiosidade, definitivamente, é o jogo do criador e de sua equipe de roteiro. Logo, foram bem inventivos em explorar uma estrutura inédita – uma linha do tempo que apresenta (até o momento) cinco gerações de país e filhos com conflitos sendo explorados e aprofundados simultaneamente entre passado, futuro e presente.

Se você deseja ser um roteirista de sucesso número dois, desenhe muito bem a estória dos personagens, o chamado arco dramático. Pense nas características de personalidade e o porquê cada um as tem. This is Us é basicamente isso. Os defeitos e as qualidades de cada são sempre explicados por alguma razão, seja por um trauma ou evento. Principalmente os ligados a infância e a família. É pura psicologia sistêmica.

Ainda sobre o roteiro, o episódio piloto é genial. A forma como ele apresenta pedacinhos da estória de Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore), Kevin (Justin Hartley), Kate (Chrissy Metz), Toby (Chris Sullivan), Randall (Sterling K. Brown), Beth (Susan Kelechi Watson) e o pai biológico de Randall (Sterling K. Brown) para ir costurando e apresentado o ouro no final surpreende. A cena de fechamento que mostra um policial fumando na maternidade nos leva diretamente para tempos estranhos. Deve ser mais ou menos o ano de 1980. Essa foi a forma dos autores nos contarem que estávamos vendo dois tempos distintos. E um deles era um passado não tão distante assim.

E os babies lindinhos ali no berçário no fim do piloto? E o drama dos personagens que você já entendeu um pouquinho porque o conflito central já foi anunciado? A linha do tempo do primeiro episódio explora o mesmo dia, só que em anos diferentes. O do passado é o aniversário de Jack e o dia do nascimento dos filhos, o segundo é exatamente 36 anos depois. Já estou começando a lacrimejar aqui lembrando das descobertas porque acabei de rever o trailer do primeiro episódio acima. Alguém consegue assistir essa série sem chorar? Me conta aí nos comentários.

Agora vou te levar para outro ponto que é certeiro em todo esse sucesso. É um imenso gatilho mental no nosso subconsciente. A verdade é que This is Us é um grande conto de fadas. Mostra homens de caráter e apaixonados por suas mulheres. O príncipe encantado, incontestavelmente, é Jack (Milo Ventimiglia). Mas Randall (Sterling K. Brown) e Toby (Chris Sullivan) também abraçam esse papel. Portanto, as princesas que cresceram assistindo contos de fada da Disney e todos aqueles que gostariam ter tido um pai como Jack, naturalmente, se prendem a série. E é nesse ponto onde fico meio puta com a produção.

Por que, assim, eu adoraria encontrar uns boys legais por aí. Mas só tenho me deparado com uns Kevins não tão gatos, nada famosos e bem piores da cabecinha. Ou ainda uns mais malucos e abusivos tipo o namorado estranho de Kate (Chrissy Metz) que aparece na quarta temporada. Será que tenho dedo podre? Ou os homens de This is Us são mesmo eventos raros?

Por conta dessa construção, acredito que parte do sucesso da série reside justamente nos personagens masculinos. A gente fica bem apaixonada por eles. É uma grande novelinha. Mulheres foda também é algo que estamos mais habituadas a ver. Basta olhar para o lado, para nossas mães e avós. Agora homens como os do seriado, meio difícil… O mundo anda carente de homens foda e, talvez, a produção supra um pouco dessa necessidade na gente. O problema é ser na base da ilusão.

Nesse ponto, gostaria de reclamar da pouca profundidade nos arcos das personagens femininas. Os conflitos delas vão muito mais na direção do drama e não necessariamente da evolução. Pelo menos até o momento. Ainda não sabemos o que acontecerá daqui para frente. Se pensarmos na jornada do herói, possivelmente só Kate (Chrissy Metz) possa ser inserida ali. E ainda precisamos de mais informações para ter certeza. Rebeca (Mandy Moore) é construída como uma princesa linda, perfeita, sem defeitos, nunca errou. O que acaba a deixando insossa. Beth (Susan Kelechi Watson), talvez, assuma mais o papel de girl power. Mesmo assim, acaba cedendo muito para Randall (Sterling K. Brown). O que me deixa bastante irritada. Tess (Eris Baker), uma das três filhas do casal, já começa a apresentar sinais de fogo no parquinho. Ansiosa para ver se as mulheres serão mais revolucionárias daqui para frente.

Ainda sobre o arco dramático dos personagens, preciso dizer que o que mais me identifico é o de Kevin (Justin Hartley). Pobre menino lindo e popular que não tem a atenção dos pais (principalmente da mãe, alou Freud!). Por isso, faz de tudo para aparecer. Kevin (Justin Hartley), apesar de deus grego, é humano. Demasiadamente humano. Sua imperfeição e luta para vencer vícios e comportamentos egóicos geram muita empatia. No fim, a gente se identifica com o que é quebrado. Se enxerga nele. Pelo menos, foi o que rolou comigo. This is Us economiza horas de terapia, vai por mim.

As três atrizes que interpretam Kate Person

Agora a cereja do bolo, deixei o aspecto que considero ser o maior sucesso para o final. Tentei segurar o anunciado no título. Não sei se sou tão boa como Dan Folgeman, mas tentei. O mais foda de This is Us, além de tudo já mencionado, é a forma como a série vai fundo em dramas sociais, em temas sensíveis e necessários na atualidade. Racismo, machismo, gordofobia, traumas de guerra, vício em drogas e álcool, depressão, distúrbios de imagem, a questão da adoção e uma infinidade de coisas a mais. Cada episódio vai explorando alguns desses temas. E tenho certeza que cada personagem foi desenhado para entrar fundo neles.

E apesar de militar muito, This is Us nunca é pedante. Eu a incluiria This is Us no hall das narrativas da nova era, aquelas que tem como intenção nos despertar para aspectos cagados do mundo. Pessoalmente, acredito que as artes não devem fugir dessa tarefa.

Para mim, a série lacra sem ser chata por uma razão principal (mais uma informação que incluiria no meu curso de roteiro): a narrativa não coloca ninguém como o mocinho ou vilão. Não há dicotomia entre bem e mal. Os problemas sociais são abordados de modo complexo e tratados como problemas estruturais. A quinta temporada, muito acertadamente, faz um crossover com os tempos atuais, entrando fundo na questão da pandemia do coronavírus, na morte de George Floyd e no movimento black lives matter.

Ansiosa que sou, já assisti os quatro episódios divulgados da quinta temporada. Como as gravações estão ocorrendo em época de pandemia, houve uma pausa nos lançamentos. O quinto episódio da quinta temporada só irá estrear em 06 de janeiro de 2021. Até lá vou ficar roendo unhas e na abstinência. Para quem não está atualizado, adianto que tem uns babados pesados. Um deles tem haver com Randall (Sterling K. Brown), mas não vou contar.

As quatro temporadas estão disponíveis no Amazon Prime e a última só no Fox Premium. Inclusive, notaram como eu tentei não dar nenhum spoiler aqui? Me agradeçam! Fiz isso com uma intenção: quero conquistar aliados para ter com quem tagarelar sobre a série. Por isso, tenho um pedido: envia esse texto para as amigues que ainda não entraram – mas que podem entrar – nesse vício com a gente. É sempre bom ter com quem compartilhar lágrimas de sofrimento ou de emoção.

E me conta, tem algo a mais que você considere como razão de todo esse sucesso?

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Daniella Burle
Daniella Burle
Apaixonada por contar histórias, estórias e ler o mundo, se divide entre o campo artístico e o universo acadêmico. Foi ganhadora do prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia em 2019 com o texto da peça Eu sou o Homem. É formada em roteiro pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro (2020). E também graduada em Arquitetura e Urbanismo (2011) pela Universidade Federal de Pernambuco, mestre e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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