Elaine May, sem dúvidas, faz parte de uma longa lista de diretores e diretoras injustiçadas por Hollywood. O fracasso comercial de seu quarto filme, Ishtar (1987), sepultou sua carreira como realizadora (leia este artigo para saber um pouco mais), tendo a última possibilidade de retorno, até o momento, sido noticiada em 2019. Na realidade, sua relação com os estúdios nunca foi as das melhores, a própria produção de Mikey e Nicky (1976) não foi fácil para a realizadora (este artigo fala um pouco sobre isso). Mesmo assim, Elaine pôde nos deixar obras muito interessantes.
A princípio, Elaine nos faz acreditar que Mikey e Nicky se trata de um filme sobre amizade, onde Nicky (John Cassavetes), um sujeito marcado para morrer, pede ajuda a única pessoa com quem pode contar — Mickey (Peter Falk), seu amigo de infância. Mas logo percebemos que a diretora e roteirista toma uma direção muito diferente. Aliás, há durante todo longa uma constante aura de imprevisibilidade, onde tudo pode acontecer.
Estas relações movediças já estavam presentes em outros filmes de máfia anteriores, não há como não mencionar “O Poderoso Chefão I e II” que foram lançados alguns anos antes, respectivamente, em 1972 e 1974. Mas no longa de May, não há nem a opulência ou laços de sangue para disfarçar as coisas como são. A traição está escancarada para o público desde o início e a falta de glamour está expressa nos ambientes decadentes ou sem brilho pelos quais os dois personagens vagueiam.
Já na cena inicial, não sabemos bem o que se passa, estamos tão desnorteados quanto Nicky, os planos se sucedem nos dando, pouco a pouco, uma noção do panorama. As primeiras imagens que vemos são uma porta, um homem armado, um jornal que noticia que alguém foi assassinado. Há nessa cena um reflexo do desespero de Nicky, os planos — ao contrário de uma concepção mais clássica de decupagem, encenação e montagem — não nos guia dentro daquele universo, mas nos joga nele o que nos deixa desorientado. Neste sentido, o filme não só parece estar muito em sintonia com as mudanças que ocorriam na arte cinematográfica de sua época, como também estar ligado a um universo ficcional específico.
Depois de se instaurado essa atmosfera de desconfiança, Mikey entra na jogada. Para Nicky este é seu salvador, ou assim deveria ser. Porém logo que eles iniciam sua fuga pela noite, descobrimos que ele o traiu. Mas os “porquês” e o “como” não nos são dados de início, mas revelados pouco a pouco a nós. Quanto mais eles se embrenham pelas ruas da cidade, mais percebemos que entre os dois personagens há uma desconfiança constante e disputas de força. Por mais que eles se conheçam há trinta anos, o universo ao qual eles pertencem não existe porto seguro, apenas a “negociação” e a força podem garantir algum sossego. Isso se reflete no quanto Nicky desconfia do amigo e o quanto este se recente de Nicky, há entre eles uma constante troca de garantias. A palavra no submundo da máfia não tem nenhum valor, apenas mediante a provas se pode confiar minimamente em alguém.
Estas relações movediças já estavam presentes em outros filmes de máfia anteriores, não há como não mencionar “O Poderoso Chefão I e II” que foram lançados alguns anos antes, respectivamente, em 1972 e 1974. Mas no longa de May, não há nem a opulência ou laços de sangue para disfarçar as coisas como são. A traição está escancarada para o público desde o início e a falta de glamour está expressa nos ambientes decadentes ou sem brilho pelos quais os dois personagens vagueiam. Se a dúvida da traição já é descartada logo no início, então somos lavados a pensar que a questão é o que acontecerá quando ela for descoberta por Nicky, já que para ele Mikey é como um irmão. Mas novamente somos surpreendidos, ele saber ou não saber é o de menos, o que verdadeiramente importa é como os dois chegaram a esse ponto.

Apesar de não haver flashbacks em Mikey e Nicky, o passado está sempre presente, opressivo. O que vemos na tela são reverberações de acontecimentos anteriores, que estão para além do que vemos. Durante toda a sua jornada, Nicky está ora tentando se redimir por atos passados ora tentando fugir das suas consequências. Pois, como ele mesmo deixa claro no início do filme, ele sabe que está condenado. Mas apenas mais para o fim da narrativa, entendemos que Mikey também tem suas questões não resolvidas.

Mikey, assim como Caim, se sente usurpado de seu papel de primogênito. Em seu passado, ele viu seu irmão mais novo, antes da morrer, ser presenteado por seu pai com um relógio, objeto que agora ele usa quase como um totem. Quando, ao final do filme, ele conta essa história para sua esposa, ele não cansa de repetir que Izzy, seu irmão, só recebeu o relógio pois estava para morrer. Tudo o que sua esposa pode dizer é “isso é triste”. Mas pela forma como a cena é filmada e encenada, talvez a compaixão não esteja direcionada ao irmão morto, mas ao vivo, ou seja, ao seu marido. De qualquer forma, Mikey prossegue a história e revela que Nicky também era mais querido por seu pai do que ele próprio.

Mikey se recente de Nicky, que sem esforço conseguiu a afeição de seu pai, dos chefões da máfia e das mulheres. Mikey sente que o outro tem a vida que era sua por direito. Assim, o que parecia um filme sobre a relação de amizade (ou a deterioração dela) entre dois homens, se revela uma obra que versa sobre traição, rancor e vingança. Algo que está claramente expressa na cena final. Depois de Nicky compra algumas guloseimas e gibis para o filho de Mikey, ele vai até a casa do amigo. Mas, por ironia do destino, depois de passar uma noite inteira fugindo da morte, é justamente diante da porta deste que, depois de implorar para que seu amigo o deixe entrar, a morte finalmente o encontra.
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