“Monika e o Desejo” e o Afeto no Mundo Capitalista

Quando o sonho encontra a realidade

Monika e o Desejo é um romance sueco de 1953 dirigido pelo cineasta ilustre Ingmar Bergman. A princípio, a percepção de sua premissa envolve uma história simples e formadora dos clichês: um casal que busca a fuga da realidade para viver um romance utópico. Porém, com um pouco mais de análise, percebemos que suas entrelinhas abordam diversos assuntos complexos que levantam pautas, como: a construção social da mulher, o romance contemporâneo e as problemáticas do capitalismo e a influência desse modelo econômico nas relações interpessoais humanas. Essas discussões marcam a atemporalidade do filme: em 1953 Bergman já levantava debates que nos cercam até os dias atuais.

Trazendo um pouco de bagagem teórica para esse texto, para fomentar esse debate, preciso mencionar brevemente Eva Illouz em seu livro “O amor nos tempos do capitalismo”, de 2011. Nele, ela defende, principalmente, um ideal em que o desenvolvimento social e econômico andaria de mãos dadas com o desenvolvimento dos afetos. Ambos, então, influenciam um ao outro, sendo codependentes, e nessa associação surgiria, então, o chamado capitalismo afetivo.

Nesse sentido, portanto, em um mundo contemporâneo com o capitalismo como principal modelo econômico (o cenário em que vivemos hoje), as relações interpessoais seriam diretamente afetadas por essa sociedade pautada pelo consumo e o bem estar social seria regulado pelo poder monetário. No longa Monika e o Desejo, essa questão se encontra nas nuances da relação de Monika e Harry e também causa o percurso e problemas no caminho do casal durante toda a trama. Assim, o filme de Bergman, em geral, retrata um jovem casal e sua busca pela liberdade, entrando em oposição ao modelo de vida que o capitalismo impõe ao proletariado.

O que move o drama, principalmente, é a necessidade desse casal de seguir um modelo de vida tradicional para poder sobreviver no mundo capitalista, sendo que ambos querem negar esse destino, principalmente a menina. Há uma busca pela libertação dessa realidade quando Monika e Harry fogem no barco para viverem fora da cidade, apenas os dois, sem influências externas. Mas o estilo de vida que se estabelece fora das normas sociais é insustentável sem a comunidade, principalmente quando ela engravida. Inevitavelmente, acabam voltando à rotina em sociedade, e como uma das consequências, o fogo da paixão dos dois começa a se apagar, o que é intensificado com a responsabilidade de criarem um filho. Cada vez mais a questão financeira dos dois se mostra como um problema, o que afeta intensamente Monika: quando a liberdade sonhada já não é sua realidade, o poder aquisitivo e o consumo capitalista se inserem como objetos desejo da personagem e tomam o lugar desse livre arbítrio. O que, ironicamente, entra em embate com o ideal de “liberdade” normalmente associado ao regime capitalista: liberdade para quem e para o quê?

O longa é um prato cheio de alguns dos conceitos de Freud que Illouz, em “O amor nos tempos do capitalismo”, levanta no decorrer de seu texto, relacionando-os com esse capitalismo afetivo – conceitos que tiveram um impacto significante na transformação dos afetos na sociedade. Assim, entrando em um lado freudiano, é curioso como os personagens centrais do filme, personificam seus núcleos familiares. Enquanto Monika é energética e caótica como o ambiente em que está inserida, Harry é mais centrado e lógico, refletido pela sua criação. Isso evoca o conceito onde a “família nuclear é o ponto exato da origem do eu”. Ambos os lados representam, também, a associação do feminino com os sentimentos e a do masculino com a racionalidade – ideia muito combatida e muito mais complexa do que essa simplificação (tomaria um outro texto inteiro só para debater esse assunto) –, mas também fortemente incrustada na sociedade. Além disso, a inserção do erótico e da sexualidade durante o enredo também evoca as pautas freudianas que começaram a ser abordadas e adotadas pela sociedade.

Além dessas questões, Monika e o Desejo também desmistifica papéis que usualmente são amplamente ditos como naturais para as mulheres, como a submissão e a maternidade. É uma representação diferente do costume do que normalmente é retratado como papel ideal feminino numa sociedade patriarcal, principalmente quando se considera a época em que o longa foi produzido. Até, claramente por isso, Monika é tida como uma personagem desagradável e negativa por sua audiência no período, como a maioria das mulheres questionadoras e fortes que eram retratadas no século passado.

Nesse sentido, Bergman, em seu filme, trabalha a ideia do romântico de forma atrelada à situação social do par, e o roteiro que move o longa bebe desse cenário para construir seu enredo. “Monika e o Desejo”, além de ser uma referência no cinema com sua fotografia inovadora e de tirar o fôlego, pode ser, portanto, uma representação das relações que os afetos estabelecem com a vida social e econômica, mais especificamente com o capitalismo e, especialmente, os efeitos que ele pode exercer sobre o amor romântico.

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Ilana Ivanicska
Ilana Ivanicska
Fotógrafa, diretora, escritora e editora, sempre curiosa e sempre pronta para aprender e absorver mais. Se apaixonou pelo audiovisual em 2017, mas sempre foi envolvida com artes… Já se aventurou no teatro, música, literatura, artesanato e ainda hoje se aventura na dança de vez em quando. Adora trabalhar ouvindo música com seus gatinhos disputando seu colo e nas horas vagas lê, vê filmes, faz pole dance e estuda outros idiomas.

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